segunda-feira, outubro 31, 2005

Le Coq D'Or - Rimsky - Korsakov


No próximo domingo, às 15:00hs, ouviremos a ópera Le Coq D'Or de Rimsky-Korsakov, última das óperas do compositor, datada de 1907.

O anúncio:

KORSAKOV - O Galo de Ouro. Solistas: Norman Treigle, Beverly Sills, Muriel Costa-Greenspon, Syble Young e Enrico Di Giuseppe. Coro e Orquestra do New York City Opera. Reg.: Julius Rudel.

Tendo em vista o final do horário de verão no hemisfério norte e tendo o Brasil adotado, como vem fazendo há anos, o horário de verão, não custa ressaltar que de meados de Outubro a meados de Fevereiro do próximo ano, o horário oficial de Brasilia, seguido pelos estados ao sul do país, equivale a duas horas menos do que o horário GMT.

Ao longo desta semana estaremos, portanto, colocando neste site, detalhes dessa ópera.

Jacques

sábado, outubro 29, 2005

Don Giovanni - O libreto


Para complementar as informações gerais sobre a ópera que ouviremos amanhã, às 15:00hs, coloco aqui o link para acompanhamento do libreto.

Teremos uma audição de gala, sem dúvida!

Jacques

sexta-feira, outubro 28, 2005

Especulações soltas a propósito de Don Giovanni ossia Il Dissoluto Punito

Cesare Siepe as Don Giovanni

O que dizer da Mãe de Todas as óperas?

Don Giovanni, ossia Il Dissoluto Punito constitui o ponto alto da criação lírica mozartiana, tendo resultado de uma das mais célebres e profícuas colaborações, no mundo da criação operística.

Juntamente com Le Nozze di Figaro, ossia La Pazza Giornata (O Casamento de Figaro) e Così Fan Tutte, ossia La Scuola degli Amanti (Assim Fazem Todas), Don Giovanni forma a designada Trilogia Mozart / Da Ponte.

Lorenzo Da Ponte concebeu os libretos destas três óperas, que foram, posteriormente, musicados por Wolfgang A. Mozart.

Muito se tem dito e escrito a respeito desta famigerada trilogia, em particular da ópera Don Giovanni, que por inúmeros melómanos é considerada a mãe de todas as óperas. São inúmeros os argumentos aduzidos neste sentido: qualidade do libreto, riqueza e beleza melódica, expressividade das personagens, etc.

Pela parte que me toca, a ópera fascina-me, a um nível imediato, pela harmonia reinante: trata-se de um dramma giocoso, onde se mesclam, de forma espantosamente equilibrada, drama, ironia e lirismo. Não conheço outra criação lírica onde coexista tamanha disparidade de géneros, onde a nobreza mais eloquente, a espontaneidade e singeleza plebeias se fundam!

O (riquíssimo) universo psicológico mozartiano, efectivamente, prima pela prolixidade de expressões: da riqueza maníaca / buffa (Papageno), à mais sincera vivência depressiva (Condessa), passando pela esplendorosa arrogância narcísica (Conde e Don Giovanni) e pelo masoquismo explícito (Donna Elvira); um verdadeiro manual ilustrado de psicopatologia, diria eu!

Em meu entender, esta ópera constitui o paradigma da harmonia do modelo estético clássica, dada a versatilidade e equilíbrio a que aludi.

A outro nível, Don Giovanni toca-me pela densidade psicológica das personagens que compõem a trama.

Neste ponto específico, a genial caracterização mozartiana – e de Da Ponte, bem entendido – é absolutamente ímpar, de uma incomensurável profundidade, comparada, por exemplo, com os perfis das figuras da ópera de Handel, para não mencionar as figuras verdianas, invariavelmente nobres e melancólicas, bem ao jeito romântico monolítico...

A personagem principal – pelo menos a que dá nome à criação -, Don Giovanni, constitui um modelo do funcionamento das personalidades narcísicas: egoísmo, orgulho, desprezo, triunfalismo, auto-valorização, etc. Curiosa é a circunstância de, ainda nos nossos dias, depararmos com clones desta figura na imprensa e blogosfera portuguesas (e bem assim no universo brasileiro e mundial, estou certo!): figuras altaneiras, senhores absolutos da verdade, arrogantes, com um (mais ou menos) camuflado desprezo por (quase) tudo o que produzem os vulgares e terrenos mortais...

Espantosamente actual, esta caracterização mozartiana, acrescentaria...

Obviamente que a caracterização desta personagem encerra uma dimensão caricatural, mas, em boa verdade, mutatis mutandi, o desrespeito pelo outro e o (aparente) fascínio pelo próprio constituem o núcleo fundamental do (dis)funcionamento de Don Giovanni: na ópera, as demais figuras – sem excepção - são vistas pelo protagonista como meros instrumentos de satisfação pessoal. Donna Anna, Donna Elvira e Zerlina são meros números, que se acrescentam a um imenso catálogo, que mais não é do que a prova material de uma virilidade omnipotente.

Don Giovanni, na minha opinião – pouco original, presumo -, contem ainda, mais do que qualquer uma das demais produções líricas, resultantes da colaboração com Da Ponte, uma inequívoca referência moral, bem expressa no subtítulo Il Dissoluto Punito.

Se é verdade que n´As Bodas faz-se a apologia da inteligência e sagacidade – que triunfam sobre a linhagem nobre – e em Così, Mozart apregoa a volatilidade de um moralismo sexual caduco - radicado na monogamia feminina -, em Don Giovanni, o mestre de Salzburgo, explicitamente, alude à primazia do Super-Eu - instância moral que todos construímos, a partir do paterno, espécie de juiz interno, que governa as nossas acções. Recordo que a obra foi estreada no ano da morte do pai, Leopold Mozart...

Há algo de inexorável na natureza humana, a que esta ópera alude: a punição, o castigo – fruto da acção do dito Super-Eu – orientam a conduta do homem, punindo com veemência o comportamento dissoluto.

A moral, a educação e a ética cruzam-se, neste espaço...

Continuaria, de bom grado, a dissertar sobre esta magnífica criação lírica, não fora a falta de tempo...

Com estas breves palavras, espero, com sinceridade, ter aguçado o apetite dos leitores para se lançarem na aventura do conhecimento da genial lírica mozartiana!

Despeço-me, recomendando uma soberba interpretação de Don Giovanni, a que fiz referência no meu blog, em tempos idos:

« Don Giovanni, Muti e a gloria americana »

(EMI 575 535 2)

Ricardo Muti, maestro italiano recentemente caído em desgraça, ex-Senhor absoluto do alla Scala, legou à posteridade, em inícios da década de noventa, um dos mais esplendorosos Don Giovanni que alguma vez escutei !

Confesso que parti para esta audição com inúmeras reservas.

Sempre apreciei o labor de Muti em territórios verdiano e verista.

No que a Mozart concerne, nunca me convencera, apesar da elevada reputação de que goza a sua leitura de Le Nozze di Figaro (EMI).

Quando Ricardo Muti empreendeu esta hercúlea gravação, a história contava já com centenas de outras interpretações, algumas delas absolutamente incontornáveis para qualquer Mozartiano - Giulini´59, Krips´58, Mitropoulos´56, Busch´36 e Haitink´84, entre inúmeras outras.

Afinal, o que tem de tão marcante e destacado a presente interpretação ?

As virtudes desta realização são diversíssimas, começando pela direcção de Muti, de entre as mais minuciosas, disciplinadas e meticulosas que conheço.

Tecnicamente, o desempenho orquestral é primoroso !

Apesar de algo convencional nos tempi, o maestro italiano imprime um ritmo arrojado aos recitativos, que surpreendem pela ousadia; a declamação está sujeita a um débito inusitado, por vezes muito surpreendente !

A mestria da direcção de Ricardo Muti observa-se, ainda, no esmero e cuidado de que é alvo o acento italiano dos intérpretes, provavelmente um dos mais abertos, bem articulados e fieis à tradição disciplinada de outrora ! Um regalo...

Vocalmente, o mérito desta interpretação radica no esplendor de quatro cantores americanos, absolutamente divinos: Ramey, Shimell Vaness e Studer.

Samuel Ramey - que nos anos oitenta apenas tinha como rival, no papel titular, Thomas Allen -, pela primeira vez, encarna o servo do vil Don Giovanni.

Na passada temporada, com 63 anos bem vividos e cantados, no Met, regressou a Leporello, se a memória não me trai...

O que dizer deste Monstro?

O timbre é de uma beleza singular, viril, audacioso e elegantíssimo - porventura em demasia, dado a natureza da personagem interpretada, em tudo alheia a estas qualidades !

Creio que a composição interpretativa deveria assentar, primordialmente, nas dimensões corrosiva e irónica da personagem, traços que, em meu entender, constituem o essencial de Leporello.

O facto de Ramey ter interpretado centenas de vezes o papel titular da ópera - identificando-se com ele em absoluto - está bem patente nesta encarnação. Trata-se, seguramente, do mais nobre dos servos de Don Giovanni com que conta a discografia.

Muti propôs a interpretação do papel titular da ópera a William Shimell, barítono pouco apreciado pela editoras discográficas.

Shimell oferece-nos uma caracterização quase perfeita de Don Giovanni, não fora a ausência de linhagem da interpretação.

Predominantemente mais perverso do que narcísico, insistindo no carácter bruto, vil e rasca, numa linha claramente maniforme, o intérprete renega as facetas aristocrática, subtil e nobre desta figura da ópera, facetas essas essenciais do Burlador de Sevilha !

Dir-se-ia que fez escola, pois Terfel, na sua fabulosa interpretação de Don Giovanni, insiste, igualmente, no lado mais hedionda e obscuro desta mesma figura...

Um servo nobre e um amo rasca: será casual esta inversão de atributos ou mais um golpe de génio de Muti ?

A Donna Elvira de Caroll Vaness levou-me à loucura... Tive vontade de a consolar !

Outrora gloriosa Donna Anna - sob a direcção de Haitink (EMI´1984), nomeadamente -, Vaness transborda de latinidade. O ardor e sangue quente desta Elvira são tremendos. Dela brotam, a rodos, ciúme, ternura, dor, ódio e rancor. De uma humanidade plena !

Nos antípodas da mítica Donna Elvira de Schwarzkopf, Caroll Vaness entra para a história com esta caracterização, soberbamente apoiada numa voz, técnica e emissão de antologia.

Cheryl Studer é uma das cantoras fétiche de Muti. Ao longo da curta mas gloriosa carreira da soprano americana, o maestro propôs-lhe diversíssimos papeis - Elena (I Vespri), Odabella (Attila), Donna Anna, para não mencionar os wagnerianos e straussianos, em meu entender, aqueles em que Studer mais brilhou.

Era uma intérprete de mão cheia, vocalmente luminosa e tremenda em cena. Por ela nutro uma admiração imensa...

Hélas, a pressão das editoras e de maestro menos escrupulosos associada ao deslumbramento e omnipotência da intérprete materializaram-se num declínio vocal precoce.

Na presente gravação, Cheryl Studer propõe-nos uma original Donna Anna.

A personagem interpretada, assente numa vocalização intensa e luminosa, está inexoravelmente presa à ansiedade depressiva, vítima que é de um luto inelaborável.

De forma magistral, Studer subordina todas as demais facetas da órfã do Comendador à primazia depressiva. Não conheço outra igual !

No que se refere aos restantes intérpretes, pouco há a acrescentar.

De Carolis - o último Don Giovanni que passou pelo São Carlos, sem deixar saudades - compõe um Masetto vocalmente muito correcto e sólido, em termos interpretativos; o mesmo não se pode dizer da Zerlina de Mentzer !

À excepção de Berganza e Bartoli, não há mezzo que encarne Zerlina com graça ! Soam sempre a falso ! Mentzer não é excepção. Além de uma voz feia, a interpretação é paupérrima. Vale-lhe uma técnica rigorosa e cuidada, enfim.

Lopardo - destacado belcantista -, não é um mozartiano, em definitivo !

Revelando-se exímio nas vocalizações de Il Mio Tesoro - ária que canta soberbamente -, Franck Lopardo peca pela quase ausência de dotes dramáticos.

O Baixo-barítono Jan-Hendrik Rootering compõe um Commendatore algo parco em termos dramáticos. Não creio ter assimilado, em pleno, a dimensão trágica da personagem, que apenas episodicamente amedronta o ouvinte...

Para terminar, sem hesitar um segundo, diria tratar-se do Don Giovanni da era DDD, ainda mais bem conseguido do que o de Haitink (EMI).

Pautando-se pelo rigor, tanto vocal, como instrumental, esta leitura afirma-se pela técnica, primorosa e praticamente infalível. Não há o mais discreto deslize, à excepção das fragilidades interpretativas mencionadas.

Este é, acreditem, um valor mais do que seguro da minha ópera favorita, que conheço quase de cor. Para a posteridade !

Nota: a EMI retirou do mercado a edição original desta interpretação. A mesma figura, agora, numa compilação (mid-price) subordinada à trilogia Da Ponte / Mozart, cuja referência se encontra sob a foto deste post.»


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A todos, os meus cumprimentos!

Hoje, pela primeira vez, coloco aqui o texto de um dos meus amigos aqui na Internet. Desde há tempos venho lendo e recomendando o blog irmão, Ópera e Demais Interesses, assinado, significativamente, por Il Dissoluto Punito, a quem encomendei estas linhas.

Nosso autor, um expert das óperas, acedeu, para a minha alegria, escrever sobre a ópera que mais o fascina, a julgar por tudo que já trocamos de correspondências. Não há como retribuir a essa gentileza a não ser recomendando uma ida ao seu blog e deliciar-se com a prosa de nosso patrício.

Hoje, eu fico na coxia e deixo o palco em muito boas mãos. Amigo João, meus aplausos sinceros!

Jacques

PS: O post anterior está escrito em galego, dialeto falado na região da Galicia, Espanha. O site de origem é o da Orquestra Sinfónica da Galicia / Festival Mozart 2005.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Don Giovanni - A nossa Babel de línguas

Ferrucio Furlanetto as Leporello and Bryn Terfel as Don Giovanni

Photo: Winnie Klotz/Metropolitan Opera


A Internet e as suas surpresas. Para quem procura informação, os sites de buscas apresentam-nos resultados muito curiosos.

Agora mesmo, no intuito de dar uma vasculhada na nossa ópera desta semana, topei com uma sinopse muito curiosa. Tenho certeza que lerão o texto abaixo (e entenderão) com a mesma curiosidade com que li.

Prometo que amanhã, aos que se sentirem intrigados com o texto, coloco aqui qual a lingua em que o texto está escrito.

Don Giovanni | WOLFGANG AMADEUS MOZART

ACTO I

Cadro I
En Sevilla, a mediados do século XVII. Don Giovanni entrou na casa de Dona Anna para obter o seu amor pola forza. Ela resístese e rexéitao, aínda que non logra descubrir a súa identidade. O estrondo esperta ao Comendador, pai da moza, que sae e desafía en dó ao burlador. Don Giovanni mata ao Comendador e foxe co seu criado Leporello. Dona Anna e mais o seu prometido, Don Ottavio, regresan e atopan o cadáver. Don Ottavio trata de consolar á súa amada e xura vingar o crime.

Cadro II
Unha rúa deserta. Don Giovanni e Leporello atópanse con Dona Elvira, unha dama de Burgos á que noutro tempo seduciu Don Giovanni, e desde aquela non o deixa de perseguir. Don Giovanni consegue fuxir e deixa a Leporello que lle amose o catálogo das conquistas do seu amo.

Cadro III
No campo. Un grupo de mozos festexa a voda de Zerlina e Masetto. Don Giovanni e Leporello únense á alegre compañía. Don Giovanni disponse a seducir á moza, mentres Leporello desvía a atención de Masetto. Dona Elvira chega a tempo de previr a Zerlina e afástaa de alí. Dona Anna e Don Ottavio sospeitan de que Don Giovanni é o asasino do Comendador. A dama asocia a voz deste coa do sedutor que a intentou forzar. Don Giovanni ordénalle a Leporello que prepare todo para unha festa na súa casa á que están todos convidados, e na que pensa seducir a Zerlina.


Cadro IV
Xardín da casa de campo de Don Giovanni. Masetto repróchalle a Zerlina terlles prestado atención ás galantarías de Don Giovanni. Ela implora o seu perdón, porque o ama de todo corazón. Tres máscaras chegan á festa: Dona Anna, Dona Elvira e Don Ottavio, que son invitados a entrar. A festa está no seu apoxeo cando os berros de Zerlina, desde unha antecámara, deixan ao descuberto os propósitos do sedutor. Don Giovanni consegue implicar a Leporello, e así señor e criado atopan o tempo necesario para salvar a vida.

ACTO II

Cadro I
Don Giovanni e mais o seu criado atópanse na porta dunha hospedaría. O burlador, vestido coa roupa do seu criado, disponse a lle cantar unha serenata á criada de Dona Elvira, mentres Leporello, vestido coa roupa do seu señor, distrae a atención da dama. Chega Masetto, tolo de cólera e armado con mosquete e pistola. Don Giovanni, que se fai pasar por Leporello, quítalle as armas e golpéao. Zerlina atópao só e humillado e ofrécelle o bálsamo máxico do amor para aliviar a súa dor.

Cadro II
Na súa casa, Dona Anna, acompañada por Don Ottavio, Zerlina e Masetto, rodea ao finxido Don Giovanni. Pero Leporello revela a súa identidade e, despois de implorar perdón, consegue fuxir. Unha vez máis, Don Ottavio trata de consolar a súa amada. Ao quedar soa, Dona Elvira confesa que aínda ama a Don Giovanni, malia os sufrimentos que padeceu por el.

Cadro III
Don Giovanni e Leporello atravesan o cemiterio, onde se atopa a estatua do Comendador. Para mofarse, Don Giovanni convida á estatua a cear na súa casa esa mesma noite. Unha voz espectral sae da tumba e acepta a invitación.

Cadro IV
Mentres Don Giovanni goza do seu banquete, Leporello aliméntase das sobras que deixa o seu señor. Dona Elvira intenta por última vez que Don Giovanni abandone a súa conduta, pero é en van. Cando sae, a dama emite un berro aterrador. Leporello vai comprobar o sucedido e queda petrificado ao ver que a estatua se achega. Don Giovanni négase a arrepentirse e é arrastrado ao inferno. Os demais personaxes volven e Leporello cóntalles o misterioso final do seu señor. Todos entoan daquela o proverbio da obra: “Este é o final de quen obra mal. E, dos pérfidos, a morte é sempre igual á vida”.

Eis um texto intrigante...

Jacques

PS: Tenham paciência, surpresas só acontecem depois de prontas, fiquem ligados...

quarta-feira, outubro 26, 2005

Don Giovanni - Sinopse


Aris Argiris (Giovanni) und Susanne Ellen Kirchesch (Zerlina)
Foto: Henry Mundt


Personagens:

O Comendador, Il Comendatori, (baixo)
Donna Anna, sua filha (soprano)
Don Ottavio, seu noivo (tenor)
Don Giovanni, jovem nobre (barítono)
Leporello, seu criado (baixo)
Donna Elvira, uma dama de Burgos (soprano)
Zerlina, campesina (soprano)
Masetto, seu noivo (baritono)


Sinopse:


PRIMEIRO ATO:


A estória começa nas ruas da Sevilha, Espanha, do século XVIII. Leporello, um criado, espera do lado de fora da casa do velho Commendatore enquanto seu patrão, Don Giovanni, está no interior. Como sempre, Don Giovanni está tentando seduzir uma mulher: Donna Anna, a encantadora filha do Commendatore. Leporello odeia o trabalho que faz; as horas são longas e estressantes e ele está cansado de encobrir a reputação de Don Giovanni, um cruel conquistador de mulheres. Leporello está determinado a demitir-se e viver sua vida como um senhor.

De repente, Donna Anna sai correndo de casa, perseguida pelo apaixonado Don Giovanni, que está disfarçado. Ela grita e corre, acordando seu velho pai, o Commendatore. O Commendatore duela e ataca Don Giovanni, que por sua vez mata o velho. Don Giovanni e Leporello fogem da cena do crime.

Donna Anna retorna com seu noivo, Don Ottavio. Ela descobre o corpo de seu pai, mas não sabe quem o matou. Ottavio jura que vai encontrar o responsável.

Mais tarde, Leporello diz a Don Giovanni que ele já teve o suficiente e que está deixando seu trabalho, mas Don Giovanni se nega a deixá-lo ir. Donna Elvira logo entra na praça da cidade, magoada e desesperada para encontrar o homem que a seduziu e abandonou. O culpado, é claro, é Don Giovanni. À princípio, ele não reconhece Elvira, vendo-a apenas como uma adorável donzela em perigo. Empolgado ao pensar em cortejá-la, Don Giovanni se aproxima para oferecer assistência à Elvira. Ela o reconhece e acusa-o de enganá-la com falsas promessas de casamento. Ele foge, deixando Leporello para dar explicações. Leporello informa a Elvira que ela é apenas uma das milhares de mulheres que Don Giovanni seduziu e prossegue lendo a longa lista das conquistas do nobre, Europa e Oriente Médio afora. Elvira jura vingar-se.

Voltando para casa, Don Giovanni conhece uma bela campesina, Zerlina, e seu futuro marido, Masetto. Don Giovanni os convida a celebrar o seu casamento em seu castelo e instrui Leporello a distrair Masetto, enquanto ele tenta convencer Zerlina a casar-se com ele, ao invés de Masetto.

E aparece Elvira, neste exato momento, criando uma situação extremamente embaraçosa para Don Giovanni. Ela adverte Zerlina sobre a verdadeira natureza de Don Giovanni. Elvira e Zerlina saem de cena por um momento e entram Donna Anna e Don Ottavio. Anna, ainda sem saber que Don Giovanni atacou e matou o seu pai, pede-lhe que a ajude a encontrar o assassino de seu pai. Contudo, Donna Elvira volta e tenta convencer Donna Anna a não confiar em Don Giovanni. Irritado e frustrado, Don Giovanni leva Donna Elvira embora. Donna Anna agora se dá conta de quem é o assassino. Ela pede a Don Ottavio para vingar a morte de seu pai; ele concorda.

Pensando não ter com o quê se preocupar, Don Giovanni decide dar uma festa no seu castelo e convidar toda sua recentes companhias. Entre os convidados, três estão usando máscaras — Donna Elvira, Donna Anna e Don Ottavio. Enquanto todos dançam e se divertem na festa, Don Giovanni anda às voltas com Zerlina, decidido a seduzí-la. Ela escapa e alerta o trio disfarçado que retiram suas máscaras no exato momento em que Don Giovanni entra no aposento. Ele dá-se conta de que foi flagrado e foge.

SEGUNDO ATO:

De volta às ruas de Sevilha, Don Giovanni planeja outra travessura. Ele pede a Leporello que distraia Donna Elvira para que ele possa conseguir seduzir a criada dela. Giovanni troca de roupa com Leporello e começar a admoestar a criada de Elvira. Ele é interrompido por Masetto e um grupo de campesinos que estão buscando Don Giovanni. Confundindo Giovanni por Leporello, os campesinos continuam sua busca, mas o sedutor convence Masetto a ficar para trás. Tão logo ficam a sós, Don Giovanni ataca e fere Masetto. Don Giovanni sai e Zerlina aparece para encontrar Masetto e cuidar de seus ferimentos.

Mais tarde, Leporello e Don Giovanni encontram-se no cemitério onde estão se escondendo. O disfarçado Leporello também escapou por milagre: ele deixou o pátio de Donna Anna onde ela, Don Ottavio, Zerlina e Masetto, pensando que ele era Don Giovanni, estavam prontos para se vingar. Ele revela sua identidade mas achou melhor sair de perto deles.

Don Giovanni e Leporello riem de sua fuga. Os dois deixam de se vangloriar quando escutam a assustadora voz do Commendatore por perto, dizendo ao Don Giovanni que sua risada vai ser silenciada antes que o dia acabe. A voz vem da estátua — agora vivente — que marca a sepultura do Commendatore. Sem acreditar no que ouve e vê, Don Giovanni pede a Leporello que convide a estátua para jantar com ele naquela noite. A estátua aceita o convite.

Naquela noite, enquanto o jantar é servido, escutam-se os pesados passos da estátua aproximando-se. Don Giovanni deixa a estátua entrar, mas ela nega-se a comer. A estátua propõe que Don Giovanni junte-se a ela em sua mesa e os dois apertam as mãos. A estátua exige que Don Giovanni se arrependa ou seja amaldiçoado. Giovanni audaciosamente recusa. A estátua arrasta-o às chamas do inferno.

No dia seguinte, as vítimas de Don Giovanni tentam reconstruir suas vidas cantando o moral da estória: "Tal é o fim de um malfeitor: a morte é a recompensa justa para uma vida esbanjada."

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A simples leitura dessa sinopse leva-nos a imaginar como Mozart, e Da Ponte, conseguem, num espaço relativamente curto a desenvolver toda a trama. Mozart consegue, com a música, saltar de uma situação a outra, sem que o espectador se confunda. Todos sabem do caráter duvidoso de Don Giovanni mas, ao longo da trama, vamos tomando consciência do quanto pode ser envolvente um homem de poucos escrúpulos. É certo que, ao longo de todas as situações dúbias em que Don Giovanni se coloca, este tem uma postura a um tempo galante e altiva. É aí que entra Leporello, espécie de consciência de seu amo e senhor.

Mas, há sempre um mas nessas estórias, os personagens femininos, principalmente Donna Anna e Donna Elvira, são estereótipos de uma época, a um tempo crédulas e submissas (assim é que elas querem que pensemos...). Como sempre, não há inocentes nessas estórias, para que haja Don Giovanni há que haver Donna Anna e Donna Elvira. Há ainda Zerlina, personagem que encarna a doce inocência e sobre a qual Don Giovanni lança seus tentáculos. Inicialmente esta cai na sua conversa, nem de longe indiferente às intenções de Don Giovanni, mas, posteriormente, é Zerlina quem o desmascara.

São tantos os aspectos dessa bem urdida trama que teremos que esperar até amanhã para continuarmos. Não quero adiantar nada, mas, aguardem, teremos uma surpresa, provávelmente para amanhã, uma agradável surpresa...

Jacques

Baseado em textos do Metropolitan International Radio Broadcast Information Center e do livro Kobbe - O livro completo das óperas.

terça-feira, outubro 25, 2005

Don Giovanni - O devasso punido

Pela ordem, da esquerda para a direita, Leporello, Don Giovanni, Donn´Elvira e Don Ottavio

Da mesma fonte do artigo de ontem, Metropolitan Opera International Radio Information Center, colhi elementos para o texto abaixo que exprime bem o contexto em que Don Giovanni, Il Dissoluto Punito, se insere.

É interessante notar que, embora advindo de uma história que se tornou muito popular, o tratamento musical que Mozart dá à opera é extremamente elaborado.

Mozart chega a montar uma cena onde, de um lado, os camponeses dançam ao som de um conjunto musical (músicos da orquestra que se deslocam para o palco, vestidos com trajes compatíveis, normalmente ambientada no Século XVIII), enquanto os demais convivas, nobres, dançam um minueto, ao som do restante da orquestra. Duas melodias que se complementam em todos os instantes. A graça e a perfeita sintonia em que ambas as "festas" evoluem e se desenvolvem é um dos muitos toques de genialidade deste compositor brilhante para essa genial ópera.

Óbvio que durante a trama, chegamos até a torcer pelo vilão, no entanto Da Ponte, o libretista, se encarrega de dar um final adequado ao nosso (anti) herói.

A obra estreou em Praga e sofre uma revisão cerca de um ano depois, nada drástico é verdade, para a sua apresentação em Viena, versão essa que é a mais conhecida e executada a partir daí. As alterações deram um rítmo mais ágil à trama. A partir daí caiu no gosto popular e está entre as mais executadas, o que persiste até nossos dias.

A foto que ilustra esse post foi tirada por mim, há alguns meses, em Praga, onde o teatro de marionetes é tradição e Don Giovanni tem audições diárias. De crianças a velhos, independente da idade, todos os dias são dias de Don Giovanni.

A Personagem de Don Juan


A personagem de Don Juan, na qual está baseada a ópera Don Giovanni de Mozart, foi introduzida ao mundo em El Burlador de Sevilla (1630), peça do monge e dramaturgo espanhol Tirso de Molina. A peça de Molina não tinha nada de especial; era uma narração admonitória sobre os perigos do ateísmo. Uma peça bem escrita mas que nunca foi considerada importante enquanto Molina vivia. A personagem de Don Juan, contudo, fascinaria a Europa por séculos vindouros, aparecendo em milhares de peças, histórias, estórias, poemas épicos, óperas, balés e investigações filosóficas sob diversos nomes — entre eles Dom Juan, Don John e Don Giovanni.

Artistas inspirados pelo tema de Don Juan incluem Moliére, Goldoni, Corneille, E.T.A Hoffman, Pushkin, George Bernard Shaw, Mozart, Gluck e Richard Strauss. Cada versão da estória introduz novas personagens, episódios e dramas — e com cada nova encarnação, novas personalidades e motivações de Don Juan. Um histórico detalhado da evolução de Don Juan através das gerações pode ser comparado a uma história filosófica, religiosa e artística da Europa.

Entre a estréia de El Burlador de Sevilla e a apresentação inaugural da ópera Don Giovanni de Mozart, a estória de Don Juan já sofre várias metamorfoses. O Don Juan de Tirso de Molina era um herói barroco, rebelde e exagerado, impulsivo e compelido a aventura. Com o contínuo alastramento da estória de Don Juan em outros países, ele perdeu algumas dessas características. Na Itália, a estória foi adotada pela Commedia dell’arte, um teatro de rua improvisado exibindo máscaras, comédias-pastelão e muitas piadas pesadas. A trupe enfatizou as proezas sexuais de Don Juan, tornou o criado em um trapaceiro italiano, e acrescentou novas pilhérias e personagens cômicas. O Don Juan italiano se tornou um homem inacreditavelmente egocêntrico, controlado por seus apetites monstruosos e implacável na conquista de seus prazeres sexuais.

Foi provávelmente o Don Juan italiano que Molière utilizou como modelo para sua brilhante (e intricada) versão da estória, Don Juan, ou Le festin de Pierre (1665). A peça subversiva de Molière, escrita durante o reino de Luís XIV, retrata a Don Juan como um nobre ocioso estragado por sua extravagância. Preguiçoso, obcecado com a beleza, desvalorizando qualquer coisa que não seja seu prazer pessoal, Don Juan é uma personagem que se sentiria em casa na corte do Rei Sol. Ele eliminou D'us de sua vida e ridiculariza qualquer sentimento religioso. Sua obsessão pelas mulheres advém de sua posição política e filosofia de vida.

Na Inglaterra, a personagem de Don Juan foi alterada brutalmente no The Libertine (1676) de Shadwell. Don John, o herói de Shadwell, foi o primeiro de uma longa lista de Don Juans a explicar a filosofia por trás de suas ações. Don John argumenta que todos os desejos derivam da natureza e já que algo natural não pode ser mau, o desejo justifica até os crimes mais horrendos. Don John vive de acordo com seu modo de pensar. Antes do início da peça, ele já cometeu uma média de 30 assassinatos — incluindo o de seu próprio pai. Ele é violento ao invés de apaixonado — mas defende seus crimes com lógica fatal.

Da Ponte (1787) apropriou-se espontâneamente de todas as narrações de Don Juan que precederam seu libreto, desde Molina e Molière à commedia dell’arte. Ele também deu novos atributos à estória, notavelmente a personagem de Donna Anna, cuja força e determinação captura desde então a imaginação de vários escritores. Novelistas eram particularmanete atraídos pela personagem de Donna Anna; E.T.A. Hoffman declarou que ela seria o amor verdadeiro de Don Juan se ela não tivesse aparecido em sua vida demasiado tarde para salvá-lo de sua cobiça. O próprio Richard Wagner estava convencido de que, no início da ópera, Don Juan já havia conseguido o queria com uma concordante Donna Anna.

Depois de Don Giovanni, a estória do sedutor libertino continuou evoluindo. E. T. A. Hoffman retratou Don Juan como um idealista romântico, eternamente frustrado em sua procura pela mulher perfeita. A busca de Don Juan é nutrida por sua convicção pessoal de que somente um amor verdadeiro lhe dará transcedência. Mais tarde, no século XX, George Bernard Shaw utilizou Don Juan como porta-voz para suas próprias complicadas convicções no terceiro ato de Man and Superman (Homem e Super-homem), uma peça dentro de outra peça chamada de Don Juan in Hell (Don Juan no Inferno). Outros descreveram Don Juan como um grande amante ou até como um homem a quem as mulheres não podem resistir — ambos conceitos que surpreenderiam Tirso de Molina.

Mas para a maioria, a ópera de Mozart e Da Ponte continua sendo a versão definitiva da estória de Don Juan, apresentando o mito em toda sua amplidão emocional e níveis de significado, além da personalidade de Don Giovanni em toda sua complexidade.

Desde então Don Giovanni encontrou uma platéia que se diverte e se emociona com uma trama, que pode ser tão complexa ou tão simples quanto se queira. Don Giovanni é indicado para crianças, jovens, adultos e as todas as pessoas da melhor idade.

Sem contra indicações!

Jacques

segunda-feira, outubro 24, 2005

É pelo dedo que se conhece o gigante


Assim reza o ditado popular...

Mozart é um dos compositores mais populares que conhecemos.

Boa parte de vocês deve ter visto o filme "Amadeus" de Peter Schaffer, dirigido por Milos Forman. É um filme polêmico no sentido de diversas "verdades" assumidas por seu autor e seu diretor, notadamente sua rivalidade com Antonio Salieri, outro compositor da corte austríaca, competente em sua obra, embora seja menos importante do que a legada por Mozart. Salieri apesar de ser um contemporâneo de Mozart e uma espécie de rival deste, em absoluto era como foi retratado por Schaffer.

A própria figura de Mozart, também retratado de forma caricatural, de um lado contribuiu para popularizar a figura de Mozart, de outro, faz com que uma personagem complexa e genial seja ofuscada pela superficialidade da sua interpretação.

A verdade é que Mozart foi um dos maiores gênios musicais que já conhecemos. Para entender sua obra é necessário conhecer mais sobre ele.

Sem a pretensão de escrever (ou reescrever) um tratado sobre Mozart e sua obra,
transcrevo aqui um perfil singelo de sua vida.

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Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791)


Wolfgang Amadeus Mozart é uma das figuras mais impressionantes da história da música ocidental. Nasceu em Salzburgo, Áustria, onde seu pai, Leopold, era um violinista e compositor a serviço do príncipe-arcebispo de Salzburgo. Leopold aspirava ser o músico chefe na corte do príncipe, mas o reconhecimento do potencial de seu filho Wolfgang logo fez com que abrisse mão de suas próprias ambições.

Após aprender peças simples para cravo (um predecessor do piano) com apenas quatro anos, Mozart fez progressos rápidos e começou a compor suas próprias peças aos cinco anos. Percebendo o talento de seu filho, Leopold, pai de Mozart estava determinado a tornar seu filho famoso, apesar de ter motivos que podem ser considerados sórdidos: uma criança prodígio como Mozart representava uma grande vantagem financeira para uma família relativamente pobre. Leopold no entanto, também acreditava que o talento de seu filho era uma benção de Deus e que sua tarefa era torná-lo conhecido para o mundo.


Em 1762, antes que Mozart completasse seis anos, seu pai levou-o, juntamente com sua irmã Maria Anna para tocar na corte da realeza da Bavária. Após uma visita semelhante em Viena, Mozart e sua irmã haviam causado uma tal sensação que empreenderam uma turnê de muito sucesso de três anos e meio na Europa.


Com doze anos, Mozart escreveu sua primeira ópera, "La Finta Semplice", e em seguida, retomou suas viagens. Finalmente voltando para casa em Salzburgo em 1771, passou seus anos de adolescente compondo missas, concertos, divertimentos e serenatas para o arcebispo Colloredo.


Em 1781, com vinte e cinco anos, Mozart escreveu sua primeira grande ópera, "Idomeneo", sendo chamado a Viena pelo filho do arcebispo, após sua primeira apresentação. Mozart foi mal tratado quando a serviço do arcebispo e a sua frustração levou-o a demitir-se bastante chateado. Em sua última entrevista, Mozart foi literalmente chutado para fora da residência do arcebispo de Viena.


Mozart permaneceu em Viena, determinado a forjar seu caminho como compositor. Casou-se com Constanze Weber e ambos sobreviveram por um certo período apenas com o dinheiro que Mozart conseguia dando aulas a alguns alunos. No início da década de oitenta, Mozart encontrou o libretista Lorenzo da Ponte que lhe deu o libreto para "Le Nozze di Figaro". Figaro estreou em 1 de maio de 1786, tendo obtido uma entusiástica recepção. Mozart e da Ponte começaram logo a trabalhar em "Don Giovanni".

"Don Giovanni" estreou com sucesso em Praga, em outubro de 1787, mas não foi tão bem recebida quando uma versão ligeiramente diferente foi apresentada em Viena no ano seguinte. A situação financeira de Mozart piorava. Ele tinha se tornado o Compositor da corte para o Imperador, mas não era muito bem pago pelo seu trabalho. Em 1789, recebeu uma oferta de um salário mais generoso do Imperador da Prússia, mas Mozart, recusou-se a mudar de Viena. Seus problemas monetários se agravaram. Constanze caiu doente, aumentando ainda mais os seus problemas e uma terceira ópera sua, escrita em colaboração com Da Ponte, "Così fan tutte", não foi o suficiente para diminuir seus problemas. Em 1791, seu último ano de vida, Mozart escreveu apenas duas óperas: "Die Zauberflöte" e "La Clemenza di Tito". Enquanto "Die Zauberflöte" é considerada como um de seus maiores trabalhos, "La Clemenza di Tito" em comparação parece um pouco sem brilho.

Durante o ano de 1791 ficou mais doente e deprimido, nunca recebendo o reconhecimento do público que merecia. Ao morrer em 5 de dezembro de 1791, somente alguns amigos compareceram a seu funeral, e nem mesmo sua esposa, pois estava muito doente e abatida. Mozart morreu na mais completa miséria e, segundo o costume de Viena daquele tempo, foi enterrado em uma vala comum.

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Esta semana, ouviremos, pela Radio Cultura FM de São Paulo, às 15 horas, talvez a ópera mais querida de Mozart, Don Giovanni.

O anúncio:

TEATRO DE ÓPERA - O mundo da lírica em obras completas
MOZART - Don Giovanni. Solistas: Dietrich Fisher-Dieskau, Walter Kreppel, Sena Jurinac, Ernst Haefliger. Orquestra Sinfônica da Rádio de Berlim. Reg.: Ferenc Fricsay.

O presente artigo, é uma republicação de 11 de Maio de 2005. Naquela ocasião, ouvimos La Clemenza de Tito. Não é fácil traçarmos um paralelo entre as duas. Don Giovanni é talvez, das óperas de Mozart, a mais conhecida. Talvez seja esta a mais popular ópera de Mozart, unindo a farsa da história a uma sequência de ótimas árias, sendo a um tempo leve e musicalmente perfeita.

Muito teremos a contar sobre essa ópera ao longo dessa semana, uma das mais executadas desde que foi composta, apesar de terem sido necessárias alguns pequenos ajustes na versão original, assunto ao qual retornaremos.

Mozart é Mozart!

Jacques

Baseado num texto do Metropolitan International Radio Broadcast Information Center

quarta-feira, outubro 19, 2005

Carlos Gomes -Um pioneiro (quase) esquecido

Placido Domingo no papel título de Peri, em Bonn 1994

Por vezes, nos deparamos com artigos que são fruto de uma profunda vivência com o assunto que nos interessa em nossa coluna.

O presente artigo, publicado num forum de discussão de música clássica, o link segue abaixo, é um apanhado muito interessante sobre Carlos Gomes.

Ao invés de tentar, com muito menos conhecimento de causa, transmitir o que foi a vida de um personagem polêmico, como foi o nosso querido Carlos Gomes, opto pela transcrição e registro do artigo de um competente estudioso da obra e do homem, por Marcus Góes.

É lógico que o tópico não se esgota com as informações valiosas que alí estão inseridas.Vale, no entanto, para incentivar a nossa curiosidade e respeito pelo autor d'Il Guarany.

Jacques


http://www.allegrobr.com/forum/topico.php?id=1489
5 nono;99952
10/01/2003 - 09h52
Caríssimos, (...) Marcus Góes, é um dos maiores conhecedores da vida e obra de Carlos Gomes. Tomo a liberdade de transcrever seu belíssimo texto, escrito quando da última apresentação de "O Guarany" no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa.

Carlos Gomes - Um pioneiro (quase) esquecido

António Carlos Gomes (Campinas, 11 de Julho de 1836; Belém do Pará 16 de Setembro de 1896) foi o compositor de óperas italianas mais representado no Teatro alla Scala, de Milão, depois de Verdi, na década de 1870 a 1879, período decisivo na transição entre o "velho" de II Barbiere, Norma, Rigoletto e o "novo" da "giovane scuola" de Mascagni e Puccini, num mundo musical posto em ebulição o pela tonalidade messiânica e agressiva da "scapigliatura" milanesa, da qual Arrigo Boito era o sumo-Sacerdote. Depois da fragorosa queda do Mefistofele, de Boito, estrepitosamente vaiado no Scala em 1868, com um Verdi que, apesar do extraordinário (e merecido) sucesso universal das suas óperas, não se renovava e que por isso mesmo já não era o prolífico produtor de duas ou três óperas por ano, o melodrama italiano não tinha mais nenhum compositor qualificado para o pesadíssimo encargo de dar prosseguimento e desenvolvimento a forma de arte mais popular na ltália dos tempos seguintes ao "Risorgimento". Nem Franco Faccio com os seus I Profighi Fiamminghi, de 1863, nem Emilio Usiglio com as suas Le Educande di Sorrento de 1868, nem Errico Petlella com os seus I Promessi Sposi de 1869, nem Filippo Malchetti com o seu Ruy Blas de 1869, nem um Amilcare Ponchielli que, atá àquele momento, habitava na província e que não tinha dado ao teatro lírico italiano nem uma só demonstração de verdadeiro talento, nem uma centena de compositores italianos e estrangeiros se mostravam capazes de ser um novo Verdi, ou de ao menos criar algo que fosse ao mesmo tempo novo e do agrado popular.

A jovem "intelligentzia" italiana falava em "lavar o altar da arte, sujo como uma parede de lupanar", e berrava exigindo qualquer coisa de novo e diferente para o melodrama, os intelectuais e certas vozes na imprensa pediam uma relação mais lógica entre palavra e música, entre música e ação dramática, exigindo o abandono das velhas formas gastas de números fechados (recitativo, ária, cabaletta), estimulando o uso de um maior e mais expressivo cromatismo, o emprego de novos ritmos e harmonias. Foi exactamente na fase mais aguda desse período, em 1864, quando Boito faz publicar no Figaro aquelas referências a lavagens e lupanares, que o desconhecido brasileiro Carlos Gomes chega a Milão, a fim de se aperfeiçoar como compositor, vindo do seu longínquo Brasil.

Não podia ser mais propício o momento para um jovem de 27 anos, em busca de fama e de sucesso, aquele da chegada de Gomes a Milão. Começa logo por se "aperfeiçoar" com Lauro Rossi (o verbo vem entre aspas porque Gomes já era compositor experiente quando chegou a Milão, com várias missas, cantatas e duas óperas de grande calibre no seu activo), recebendo aulas particulares no Conservatório de Milão, não como aluno regular, que a idade já não lhe permitia tal condição, mas como "compositor em aperfeiçoamento". Extraordinariamente capacitado e hábil como compositor faz-se logo notar, no que era ajudado por singular simpatia pessoal, por óptima aparência, pelo bronzeado da pele e pelo exotismo absolutamente único das suas atitudes. Conta-se que, nessa época, como não falasse naturalmente o italiano, andava pelas ruas com um dicionário, e que num restaurante ordenou ao estupefacto garçon um prato de "idioma" com batatas... Gomes havia sido uma espécie de "faz-tudo" da ópera Nacional, entidade que existiu no Rio de Janeiro de 1857 a 1863, e que inicialmente tinha como objectivo principal a encenação de óperas em língua portuguesa. Foi ensaiador ao piano, arranjador e adaptador de partituras, director de orquestra, afinador de instrumentos, arquivista, compositor. A tudo isso se somava o facto de ter aprendido teoria musical e a tocar vários instrumentos com seu pai, Manuel José Gomes (1792–1868), maestro de Banda que percorria o interior da província de São Paulo. Quando chegou a Milão, já sabia tudo de música, e esse foi o seu primeiro grande trunfo para se tomar conhecido. Já em 1866 compõe canções que vêm a ser editadas por uma das editoras mais conhecidas de Milão, a Casa Lucca, que mais tarde viria a publicar as suas primeiras óperas em Itália.

Começa a ser notado no ambiente milanês, e em 1866 reencontra o seu amigo Antonio Scalvini (1834-1881), arrendatário do Teatro Fossati, onde levava a cabo espectáculos de variedades, burletas e vaudevilles. Scalvini tinha em mente realizar uma "revista musical" no gênero do que fazia Offenbach em Paris, nas Bouffes Parisiennes. Sabendo da competência e capacidade de Gomes (que frequentava o Fossati sempre interessado nas soubrettes) Scalvini convida-o a compor a música da "revista", e assim nasce Se Sa Minga, primeira revista musical italiana, criada a 9 de Dezembro de 1866 no Fossati e logo levada a outros teatros de Milão, sob intensos elogios da crítica e geral aclamação do público. Com efeito, a música dessa revista é um prodígio de inspiração e de verve, constituindo-se numa extraordinária paródia ao estilo bem definido de Offenbach, o que vem a estabelecer uma das mais fortes particularidades do modo de compor de Gomes: a inacreditável capacidade de absover estilos e características, combinando-os e ajustando-os a seu bel-prazer, o que pouco mais tarde será "marca registrada" de toda a sua obra. Em 1868 outra "revista" é criada no Teatro Carcano, com menor sucesso. Mas a crítica elogia a música, dizendo-a "boa, porque de Gomes". Conhecido e admirado, esses primeiros sucessos de Gomes em ltália não diminuem a pena que sentia ao ver-se discriminado nos círculos intelectuais da elegante Milão, dos salões e saraus musicais. Chamam-no de "índio", de "selvagem americano", de "preto", acusam-no de não saber andar direito, enfim constróem dele uma imagem negativa, que somente a sua férrea vontade de atingir o sucesso completo poderia destruir.

Foi essa vontade férrea de Gomes, aliada ao seu talento e, principalmente, ao seu modo pessoal de compor, a causa imediata de ter sido uma ópera sua a escolhida como "opera d'obbligo" da temporada de 1869/70 doTeatro alla Scala de Milão, templo maior da arte lírica em todo o mundo, numa época em que se lutava com todas as armas possíveis para se ter uma ópera criada naquele teatro. "Opera d'obbligo", ou seja, uma ópera nova que os empresários da temporada se obrigavam a apresentar.

Essa ópera foi Il Guarany, com libreto original de Antonio Scalvini (contratado por Gomes desde 1865 para tal tarefa), remodelado e totalmente modificado pelo literato e empresário Carlo D'Ormeville (1840-1924). Essa ópera foi o seu maior sucesso de público, e é agora mais uma vez encenada em Lisboa, voltando ao palco do Teatro Nacional de São Carlos depois de 32 anos de ausência.

II Guarany foi estreado no Scala a 19 de Março de 1870, e causou estupefacção. Os intelectuais e quase todos os músicos queriam algo de novo, e ali, de repente, um estrangeiro oriundo de um longínquo e desconhecido país situado a mais de 10.000 quilómetros, tido como um lugar de índios e negros, aparece no palco do Scala com uma ópera que continha, se bem que rudimentarmente, quase tudo por que todos se batiam: maior unidade dramática, maior continuidade do discurso musical, não insistência no uso de números fechados, maior adequação da música à acção sobre o palco, maior adequação da música às palavras, uso mais frequente do cromatismo, emprego de novos ritmos e de harmonias mais ousadas. Para que o leitor melhor entenda, vamos a exemplos práticos.

Em Il Trovatore, de Verdi, ópera que pode servir como uma fotografia do melodrama italiano, o tenor protagonista, numa das cenas, sabendo que a sua própria mãe esta a ser queimada numa tenebrosa fogueira, canta "corro a salvarti" – e permanece no palco, par cerca de dez minutos, espada desembainhada, exibindo os seus dotes vocais, enquanto a pobre mãe esta a ser consumida numa "orrenda pirra". 0 tenor diz que corre a salvar a infeliz mãe, mas permanece em cena sem o fazer por longos minutos. Contra esse anti-teatralismo vociferavam os estetas da música e do teatro daquele tempo. Não se discutia o valor operístico de II Trovatore, jóia eterna da ópera e da música para o palco, nem do Rigoletto ou da Traviata. Mas se o leitor consultar as partituras dessas óperas, verá que a música é "bem comportada", os intervalos são quase todos académicos, o ritmo é muitas vezes primário, as harmonias desenvolvem-se sempre de modo esperado, a acção dramática flui muitas vezes em desacordo com a música (uma ária do RigoIetto tanto se adapta a um libertino duque mantuano como a um jovem guerreiro mexicano, uma ária da Traviata tanto serve para uma cortesã parisiense como para uma alegre donzela a colher flores, e outros que tais.

Carlos Gomes, justamente por ter nascido musicalmente no interior de uma então obscura província do lmpério do Brasil, e por ter absorvido com a máxima transparência todos os tipos de música que se fazia por aquelas regiões, compunha de modo totalmente novo para os ouvidos italianos. Desde menino acostumara-se a reduzir obras de Gluck, de Auber, de Meyerbeer, de Rossini, para que a Banda do pai pudesse executá-las. Se Rossini havia escrito uma partitura com duas flautas, a Banda só tinha uma, se para três trompetes, a banda so tinha uma, se para doze primeiros violinos, a banda só tinha dois, ou não os tinha de todo, Gomes devia copiar a partitura com as devidas restrições e adaptações. Daí até começar a "modificar" a partitura original não faltava muito, e o jovem Carlos Gomes começou a improvisar linhas melódicas, intervalos e harmonias diferentes para a música daqueles compositores, fazendo-a parecer-se muitas vezes com a música brasileira das canções de salão de meados do século XIX, e com a música popular de negros e índios, com seus rítmos e harmonias típicas. A música das canções de salão semi-clássicas do Brasil daquele tempo tinham, por sua vez, muito que ver com as canções de salão e "modas" portuguesas. Assim, quando Gomes compôs II Guarany, essa ópera só poderia ser o resultado de todas essas influências, e só poderia causar, numa Milão em busca de novidades, suprema admiração.

O Brasil de meados do século XIX tinha uma vida musical muito mais desenvolvida do que normalmente imaginam os europeus. Foi esse ambiente musical bem desenvolvido e actuante que gerou Carlos Gomes, o maior exemplo de "transplante cultural" ocorrido na História da Música e o maior compositor do século XIX nascido em solo americano.Torna-se necessário analisá-lo para que bem se compreenda o fenómeno.

Quando Pombal, depois de elevar o Brasil 5 condição de Vice-Reino, em 1762, transfere a capital de São Salvador da Bahia para o Rio de Janeiro no ano seguinte, com a sua peculiar visão económica e política dos factos (o eixo económico da colónia tinha-se tlansferido da cana-de-açucar do Norte para as minas de ouro do Sul), o Brasil começa realmente a ter uma existência como entidade psicológica na mente dos seus habitantes. lmediatamente antes, sob a voraz prodigalidade de D. João V, a colônia era vista tão somente como fonte de riquezas. Com a chegada dos vice-reis, tudo muda.

0 Conde da Cunha, D. Luis de Vasconcellos, o Marquês do Lavradio, todos eficientíssimos e provados administradores, começam a pensar em dotar o Vice-Reino de cidades mais bonitas e arejadas, de arsenais, museus e academias, de hospitais e fortalezas defensivas. Antes, sob o governo-geral de Gomes Freire, Conde de Bobadela, já se notara algum progresso, principalmente em virtude da opulência das minas de ouro e pedras preciosas recém-descobertas. Essa opulência reflectia-se nas igrejas, e consequentemente na música. Ainda no reinado de D. João V ocorre na província de Minas Gerais uma esplendida floração de compositores sacros, que irá desabrochar mais tarde, no último quartel do século XVIII, no movimento musical denominado "Barroco Mineiro", do qual Francisco Lobo de Mesquita, Marcos Coelho Neto e Francisco Gomes da Rocha são os principais compositores. Mestres de Capela portugueses estabelecem-se no Vice-Reino, como André da Silva Gomes na cidade de São Paulo (foi professor do pai de Carlos Gomes). Em 1747 já se tem notícia do funcionamento no Rio de Janeko de uma "Casa da Ópera", dirigida pelo curioso padre Ventura, mulato e corcunda que levava ao palco os melodramas de António José e Obras de ,Metastasio. Pasto das chamas em 1769, essa "Casa da Ópera" foi substituída em 1777 pelo Teatro de Manuel Luís, que funcionou até pouco depois da chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, quando passou a denominar-se Teatro Régio. No período do Vice-Reino nasce no Rio de Janeiro aquele que seria o maior compositor brasileiro da época, o P. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), Sacerdote mulato que deixou vastíssima obra, quase toda sacra, e que pode ser considerado o primeiro elemento da grande tríade de compositores brasileiros – José Maurício, Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos (1887-1959).

Foi no entanto com a vinda do príncipe regente D. João, de sua mãe enferma de cabeça D. Maria I e de toda uma enorme corte portuguesa, em 1808, que o Brasil, e especialmente a sua capital (Rio de Janeiro), passam a ter uma vida musical e teatral muito mais completa e desenvolvida. Com D. João (depois D. João VI), o Rio passou a sede da monarquia portuguesa. Eram necessários teatros, eram necessários a ópera e os espectáculos variados de declamação e mágica. Pala tanto, tornava-se obrigatório edificar um grande teatro. Este seria o Teatro de São João, inaugurado em 1813, e que existe até hoje no mesmo lugar, mas com outro nome e com outro aspecto arquitectónico. No Teatro de São João teve lugar a primeira temporada lírica como tal organizada no Brasil, em 1814, e foram apresentadas pela primeira vez naquele pais as óperas mais célebres do repertório, tais como o Don Giovanni de W. A. Mozart, /I Babiere di Siviglia e várias outras de Rossini, de Marcos Portugal e de Salieri. Antes da chegada da corte portuguesa, já o Rio pudera ouvir óperas de Marcos Portugal e de Cimarosa. Com a presença de D. João e da sua corte, as temporadas ricas intensificaram-se e superaram em número de títulos e de récitas o que se fazia antes em Lisboa. A ópera lírica italiana tornou-se numa verdadeira mania, o que perdurou durante todo o século XIX, quando eram os espetáculos de ópera o verdadeiro e único ponto de encontro das classes dominantes, da alta burguesia, dos artistas e intelectuais. Grandes artistas da música iam ao Brasil, os estrangeiros iam e enamoravam-se do Rio de Janeiro, não mais voltando aos seus países de origem. Assim foi com Gioacchino Giannini, compositor italiano que deu aulas de composição a Carlos Gomes em 1859-60, assim foi com Carlo Bosoni, regente do Teatro La Fenice de Veneza, maestro da Joanna de Flandres, segunda ópera de Gomes, estreada em 1863, assim foi com D. José Amat, cantor e empresário espanhol que fundou a Ópera National em 1857. 0 Rio de Janeiro, em 1863, ano em que Carlos Gomes foi para Milão, contava com vários teatros de ópera, todos activos e frequentados. Os maiores eram o Teatro Provisório, também chamado Teatro Lírico Fluminense, o Teatro de São João com o nome mudado para Teatro São Pedro de Alcântara, o Ginásio Dramático, o Teatro São Januário, e o Alcazar Lyrique, onde se encenavam óperas e operetas francesas. Ao lado desses, outros teatros destinados a espectáculos de "vaudeville" e teatro de prosa.

Para melho explicar, alguns dados estatísticos: em 1863 a temporada de ópera italiana e francesa ofereceu 51 récitas de ópera. Só Un Ballo in Maschera, de Verdi, mereceu onze récitas, II Trovatore oito e Ernani seis. No mesmo ano, a Ópera National oferecia vários espectáculos, destacando-se entre eles as óperas novas intituladas Joanna de Flandres, de Carlos Gomes, e 0 Vagabundo, de Henrique Alves de Mesquita. Esse, em breve esboço, o mundo musical que criou Carlos Gomes. É esse mundo e essa efervescência que explicam 0 fenómeno. Il Guarany insere-se no Romantismo brasileiro como obra capital. Deriva de uma longa e coerente cadeia sucessiva que – começada em 1836 (no Brasil todas as correntes estéticas começavam então com atraso em relação à Europa) com a publicação do livro de poesias Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães –, teve o seu apogeu justamente no que comummente se chama indianismo. A primeira obra de vulto dentro desse movimento do Romantismo literário brasileiro foi "A Confederação dos Tamoios", longo poema em dez cantos do mesmo Gonçalves de Magalhães, publicado em 1856. A maior e mais importante dessas obras foi justamente 0 Guarani romance histórico de José de Alencar, publicado pela primeira vez em folhetins de jomal em 1857, logo depois publicado em livro que teve enorme sucesso e aceitação do público. Todos liam 0 Guarani.

José de Alencar (1829-1877) inspirou-se literariamente em Chateaubriand, que no início do século descrevera em romances a vida heróica dos selvagens da Louisiana, então colónia francesa da América do Norte. 0 romancista francês ampliara, por sua vez, os modelos do "bon sauvage" dos iluministas Montaigne e Rousseau. Alencar fez o que o público brasileiro queria: um romance típico do romantismo europeu – cenários de natureza, luta do bem contra o mal, patriotismo, coragem física e moral, histórias de amor, amor paterno e filial, amor à liberdade – tudo, no entanto, com personagens brasileiras, plasmadas em paisagens brasileiras e tendo como o pano de fundo costumes brasileiros.

Não mais louras donzelas do Reno, não mais heróis saxões, não mais as charnecas de Macbeth, nem as prementes dúvidas de Hamlet, mas sim o Brasil de enormes florestas tropicais e rios de três mil quilómetros, de jaguarés e sacis-pereres, de "verdes mares bravios" e de sol sempre a flamejar nos céus azuis. Carlos Gomes leu o romance de Alencar, e – o que é fundamental para que tenha surgido a ópera – quando já se encontrava em Milão, deparou certa tarde corn um vendedor ambulante de livros que apregoava Il Guarany, storia dei selvaggi del Brasile. Era uma tradução do romance para o italiano, e realmente esta existia, tal era o sucesso do livro de Alencar. Munido da tradução, entusiasmado, apresenta-a a Scalvini, e é então que realmente tem início a gestação da ópera, que Carlos Gomes, no início, pensava levar à cena no Brasil. Depois de longas discussões com o libretista, e depois deter encomendado a D'Ormeville as modificacoes pretendidas, em 1869, achava-se pronta a ópera ou quase, pois Gomes modificava as suas partíturas até meia-hora antes da estréia. 0 maior problema era fazê-la subir ao palco do mais importante teatro de ópera do mundo. Gomes, sentindo-se capaz de tal empreitada, movimenta-se em todas as direcções para que a sua composição fosse a escolhida como ópera nova daquela temporada. Faz publicar em Milão um folheto manuscrito em que comunica a sua intenção de levar II Guarany ao palco do Scala. Procura agentes e empresários, declara-se disposto a assumir os gastos da produção, procura um editor. E aí que aparece outra figura decisiva no nascimento da ópera, o editor Francesco Lucca, o qual, antevendo o sucesso da mesma e acreditando no talento de Gomes se dispõe a editar a partitura e o libreto, adiantando-lhe algum dinheiro para que depois o reembolsasse. Lucca será também o editor da segunda ópera de Gomes composta em Itália, Fosca, estreada no Scala em 1873.

Nao foi difícil convencer o empresário Giuseppe Bonolla, que era o responsável pela gestão da temporada daquele ano, a escolher Il Guarany como a ópera nova da mesma. Bonolla conhecia bem o sucesso financeiro de outra ópera recentemente encenada no Scala – L'Africana, de Meyerbeer, apresentada, nada menos que durante três anos sucessivos (1866,1867 e 1868) naquele Teatro, sempre rodeada de grande entusiasmo e aceitação. Tratava o enredo de L'Africana das aventuras e conquistas de Vasco da Gama, do seu suposto affaire com uma rainha de urn povo selvagem, de tribos e de intrigas urdidas entre luxuriantes cenários tropicais. Numa época de geral e irrestrita atracção do público por terras e povos exóticos, nada podia ser mais exótico que Il Guarany, ainda por cima de autor tão exótico quanto o seu enredo. Quando, no terceiro acto, um cacique índio canibal, seminu e de maça em punho, oferece a uma loura donzela europeia o trono da tribo em troca do seu amor, um frenesim percorreu a plateia, subjugada pelo conteúdo exótico – e erótico – da cena. Carlos Gomes não tinha dinheiro para enfrentar as despesas da produção, mas pediu aos amigos do Brasil, pediu ao imperador Pedro II, pediu ao irmão Juca, que lhe remeteram vultosas somas, e a ópera pode enfim subir ao palco. 0 elenco da primeira récita era de óptima qualidade. 0 tenor protagonista era Guiseppe Villani, que se notabilizara coma excelente intérprete em actuações anteriores no Scala. Conta-se que, instado por Gomes a rapar o bigode que orgulhosamente exibia recusou – e assim II Guarany, na estréia teve um índio "bigodudo" como protagonista... A principal – e única – cantora feminina do elenco foi Marie Sass, soprano belga que se distinguira como criadora em Paris, justamente de L'Africaine de Meyerbeer, no original francês. Gonzales, o vilão da história, foi entregue ao barítono Enrico Storti, bom estilista, e o cacique foi interpretado por Victor Maurel, futuro criador do Otello e do Falstaff de Verdi. Regidas por Eugenio Terziani, foram onze as récitas de estreia da nova ópera. No ano seguinte, em Setembro, II Guarany foi novamente ao palco do Scala, para quinze triunfais récitas, para as quais Gomes compusera uma nova abertura. Conhecida como "protofonia" de II Guarany, assumiu essa peça introdutoria a posição de segundo hino nacional brasileiro, não havendo execução da mesma que, no Brasil, nao seja causa de ovações e vivas de chapéus para o ar... 0 sucesso de Il Guarany foi gigantesco. A crítica milanesa desfez-se em elogios, o público passou a assobiar-lhe as melodias, cantores famosos, como Adelina Patti e Francesco Tamagno, logo se interessaram em cantá-la, teatros e empresários de todo o mundo logo se mostraram interessados em encená-la.

A ópera percorre o mundo inteiro: Rio de Janeiro em 1870, Londres em 1872, Santiago do Chile em 1873, Buenos Aires em 1874, Viena e Estocolmo em 1875, Bruxelas, Barcelona, Varsóvia e Montevideu em 1876, Havana em 1878, S. Petersburgo e Moscovo em 1879, Lisboa e Nice em 1880, Nova lorque em 1884. Em ltália, assume imediatamente a posição de ópera das mais representadas em todas as cidades. Com o advento do chamado Verismo e das óperas dos compositores da "giovane scuola", Puccini, Mascagni e Leoncavallo a frente, quase todas as óperas italianas do período da criação de II Guarany foram aos poucos sendo retiradas do repertório. Somente as óperas de Verdi, La Gioconda, de Ponchielli (1876) e o Mefistofele de Boito, revisto e modificado em 1875, são normalmente encenadas.

No Brasil, é representado normalmente e com frequência. Nos últimos anos, tem ocorrido um cada vez maior interesse pelas óperas de Gomes, tendo sido II Guarany encenado em Bona em 1994 e em Washington e Sófia em 1996. A Fosca subiu ao palco do Festival de Wexford, na lrlanda, em 1998, e foi produzida em Sófia em 1997. Maria Tudor subiu à cena da Ópera National da Bulgaria em 1998. Provavelmente a última vez que Carlos Gomes terá visto o seu Guarany em palco foi em Lisboa, no Teatro Real de São Carlos, em Março de 1895, pouco mais de um ano antes da sua morte. Ainda elegantíssimo, em vistosa casaca negra, peitoril e colarinho alvíssimos a contrastar com a pele bronzeada e os cabelos brancos e longos, Segundo assinala a imprensa, recebeu de D. Carlos I a comenda da Ordem de Sant'Iago, antiquíssima condecoração honorífica portuguesa. A rainha D. Amélia convida-o a compor uma ópera, que se denominaria O Génio do Oriente, na qual fossem celebradas as glórias e conquistas portuguesas, o que se revelaria impossível dado o estado de saúde do compositor.

Mas não seria essa a última visita de Carlos Gomes à capital portuguesa. Em Março de 1896 volta a essa cidade para submeter-se a uma operação cirúrgica, o que acontece sem sucesso. 0 seu mal era de morte. Mesmo doente, recolhe melodias, anotando-as no seu caderno de bolso. A última linha de música que escreveu foi uma pequena melodia recolhida das vendedeiras de peixe de Ovar, cidade portuguesa. Parte, em seguida, para o seu Brasil natal, fazendo escala no Funchal, em Abril de 1896. Foi a última vez que pisou solo português. Carlos Gomes volta agora com a sua música, tão imortal quanto ele.



MARCUS GÓES
Professor, musicólogo e investigador brasileiro residente
em Itália, especialista na obra de Carlos Gomes.
É autor dos livros CarIos Gomes: a "Força Indómita", publicado
no Brasil em 1996, e Carlos Gomes: "Un pioniere alla Scala",
publicado em Itália em 1997.

Texto gentilmente oferecido pelo autor ao Teatro Nacional
de São Carlos, incluindo a tábua biográfica
e argumento. (Direitos reservados)

terça-feira, outubro 18, 2005

Il Guarany - Sinopse


Personagens:

Gonzales, aventureiro espanhol, hóspede de Don Antônio (barítono)
Don Álvaro, aventureiro português (tenor)
Rui Bento, aventureiro espanhol (tenor)
Alonso, outro aventureiro espanhol (baixo)
Don Antônio de Mariz, velho fidalgo português (baixo)
Peri, cacique da tribo dos Guaranís (tenor)
Cecília, filha de Don Antônio (soprano)
Pedro, homem de armas de Don Antônio (baixo)
Cacique, chefe da tribo dos Aimorés (baixo ou barítono)

Comentário Inicial:

É bom lembrar que em sua estréia a ópera ainda não tinha a famosa Protofonia, que só apareceu em 1871 no espetáculo que marcava a abertura da Exposição Industrial de Milão. A obra possuia anteriormente um pequeno prelúdio de relativo valor musical.
O Guaraní é um drama que se desenrola rapidamente orquestrada com audácia e com uma ingenuidade melódica que só serve para lhe aumentar o encanto.

Sinopse:

Ato I

Esplanada diante do castelo de Don Antônio de Mariz, a pouca distância do Rio de Janeiro, no ano de 1560. Ao levantar-se o pano o palco está vazio , começam a atravessar a cena, grupos carregando animais abatidos durante a caçada, cujos sons ouvem-se ainda. O sol começa a enfraquecer e os caçadores, reunindo-se, falam das peripécias da caçada.

Gonzales diz ironicamente a Álvaro que chegaram à casa que faz bater mais forte o seu coração. Álvaro pergunta se ele agora se dedica a contar os suspiros do coração, Rui e Alonso mandam que o deixem em paz, pois está enamorado de Cecília.Isso só faz aumentar o ciúme de Gonzalez que, secretamente, também a ama. Entra Don Antônio e lhes conta que, enquanto caçavam, um grave acidente aconteceu: em represália por haver um português ferido acidentalmente uma jovem aimoré, foram atacados pelos índios, sendo Cecília salva das mãos dos selvagens por um outro índio, Peri. O próprio Don Antônio apresenta Peri como um amigo, este declara ser da tribo dos guaranís, advertindo que os aimorés, que acamparam a curta distancia, tramam alguma vingança. Ouve-se a voz de Cecília, para alegria de Don Antônio, felicidade de Álvaro e ciúmes de Gonzales. Peri, perturbado, afasta-se. Terminada a ária de entrada de Cecília ("Gentile di cuore"), Don Antônio apresenta à filha o esposo por ele escolhido, Álvaro. Confusa, ela diz obedecer ao pai. Prostam-se todos e rezam a "Ave Maria". Peri, em ato de respeito, põe-se de pé, ficando perto de Gonzales, cujas atitudes lhe haviam chamado a atenção. E é justamente durante a "Ave Maria" que Gonzales, à parte, convida Rui e Alonso para um encontro à noite, sendo ouvido por Peri.

Don Antônio convida os presentes a se refugiarem, por precaução, no castelo, o que é feito por todos menos Cecília e Peri, que ficam à sós. ela pergunta porque pretende ele deixar o castelo. Peri diz não ser digno de pisar na casa dela. Cecília lembra-lhe o que fez e indaga por que tanto se preocupa por ela. Inicia-se aqui o famoso dueto "Sento una forza indomita". Responde Peri que sente uma força irresistível que o atrai para ela, mas não a pode exprimir. Cecília confessa que que o mesmo lhe acontece. Interrogado para onde vai, ele diz: para onde os três malvados estão tramando uma traição. Cecília pede que volte e viva para ela, pois é o seu defensor. Peri promete e parte.

Ato II

Cena 1

Uma gruta selvagem na floresta. Peri chega a tempo de presenciar o encontro combinado pelos três aventureiros. Na ária "Vanto io pur", conta a sua nobre estirpe e suas glórias, tudo agora sem importância, depois de ter visto Cecília quando o leão da floresta transformou-se em seu escravo.

Entram Gonzalez, Rui Bento e Alonso. Gonzales diz ter descoberto onde fica uma mina de prata nas terras de Don Antônio, e que precisa de mais homens para dela se apossar.Em troca quer um pacto: Cecília será sua. Peri, de seu esconderijo grita: "Traidores!" Os conspiradores fogem, exceto Gonzales, que vê Peri sair de seu esconderijo. Lutam, Gonzales, vencido, é obrigado a jurar que abandonará o local e seus sonhos de riqueza, o que faz no firme propósito de perjurar. Peri, satisfeito por ter salvo a sua amada, embrenha-se na floresta.

Cena 2

Na pousada dos aventureiros, onde Rui e Alonso dizem-lhes que serão conduzidos na conquista das minas por Gonzales, ouve-se um coro enaltecendo o ouro. Com a chegada de Gonzales, juram fé ao espanhol, que entoa uma das árias mais conhecidas da ópera, a "Canção do aventureiro", apologia da vida que levam. Ao soar a meia-noite, todos se afastam para colocar-se nos seus pontos, de acordo com o plano preestabelecido de se apoderar das terras de Don Antônio.

Cena 3

O quarto de Cecília, com alcova e leito. Uma grande janela aberta por onde penetra o a luar. Em cima de um móvel, um bandolim. Cecília, encantada com a natureza e a calma reinante, entoa uma balada, "C'era una volta un principe", na qual deixa entrever seus sonhos de amor, deitando-se logo depois. Segue-se um longo silencio após o qual Gonzalez entra pela janela e vai contemplar a adormecida. Cecília acorda e, assustada, grita. Ele declara-lhe seu amor. Cecília o repele, ele a ameaça e , quando vai agarrá-la, é ferido por uma flecha disparada atravéz da janela. Corre para ela e detona a sua arma. Gritos de alarma ressoam pela casa. Acorre Don Álvaro, Cecília proteje-se junto a ele que desembainha sua espada contra Gonzales mas, a casa, é invadida pelos aventureiros de espada em punho. Entra Don Antônio querendo saber a razão da revolta. Ele pergunta quem é o traidor e Peri, entrando pela janela, aponta Gonzales. Num grande ensemble, Don Antônio clama vingança. Gonzales treme, Cecilia, Peri e Álvaro amaldiçoam o traidor enquanto os aventureiros defendem Gonzales e os portugueses, a Don Antônio. São interrompidos pelos intrumentos selvagens que anunciam a invasão dos aimorés, confirmada por Don Pedro. Face ao inimigo, todos juram unir-se na defesa do interesse comum.

Ato III

O campo dos aimorés, vendo-se ao fundo o castelo. As mulheres curam as feridas da batalha do dia anterior e executam outros serviços. Os guerreiros preparam as suas armas. À direita, a tenda do cacique e à esquerda, numa grande árvore, Cecília amarrada e coberta por um véu.

O coro dos aimorés relembra a batalha do dia anterior, jurando vingança contra os portugueses. Todos se retiram e aparece o cacique, dizendo que que o canto de seu povo é de vitória e perguntando pela prisioneira. Levantando-lhe o véu, extasia-se com a sua beleza. Quando os guerreiros dizem que ela deve morrer, ele os detém e, dirigindo-se a ela, convida-a a ser rainha da tribo.

Em meio ao tumulto que se segue, carregam Peri preso. Ele traz consigo apenas o seu arco. Explicam ao cacique que foi o acaso que fez aquele tigre cair prisioneiro. O cacique pergunta o o que vinha ali fazer e ele, diz-lhe que vinha matá-lo, mas que a sorte o traiu. Só Cecília percebe a verdade. Os aimorés querem liquidá-lo ali mesmo mas o cacique ordena que se cumpra primeiro o rito e só depois então seja Peri dado em banquete aos anciões. Cecília tenta interceder e o cacique a elege noiva da morte de Peri para confortá-lo na hora extrema. Inicia-se uma grande cerimônia com baile.

Peri é amarrado a uma árvore. O cacique manda oferecer frutas e vinhos ao prisioneiro, que os recusa. Deixa também cair uma espada que lhe é ofertada. Guerreiros desafiam Peri. O cacique ordena que todos se retirem. Cecília pergunta pelo pai: está salvo. Pede a Peri que fuja. Este retruca que se deixará matar para salvar a ela e ao pai. Peri bebe um veneno que traz consigo para, caso seja devorado, exterminar a tribo. Despede-se de Cecília e quebra o arco.

Entra o cacique. Dizendo que só por ele Peri deve ser ferido, convida a tribo a oferecer a vítima ao deus dos aimorés. é a grande oração "O Dio degli Aimore". No final da cerimônia, quando Peri diz que o firam, ouvem-se descargas de espingardas e Don Antônio aparece, seguido pelos portugueses. A luta é geral, morre o cacique e Cecília cai nos braços do pai enquanto a batalha procede.

Ato IV

Subterrâneos do castelo iluminados por uma tocha numa pilastra. Ao fundo uma porta com escada que conduz aos aposentos. Há vários barris de pólvora e uma porta à esqueda. O coro espera por Gonzales, que ao chegar anuncia que Álvaro foi morto E Dom Antônio não pode tentar novas proezas. Ele fica sabendo que Cecília alí está e que Peri foi salvo. Gonzales diz que os aimorés se levantam e pretendem que as portas do castelo sejam abertas e o dono entregue, vivo ou morto. O coro hesita e Don Antônio, que tudo ouviu através de uma porta secreta, enfrenta sozinho a todos. Gonzales vai ferir Don Antônio, mas o coro o detém e pede perdão, sendo Gonzales, finalmente, levado preso. Don Antônio manda buscar a filha: Peri aparece E diz-lhe que Cecília ordenou-lhe que vivesse, daí ter tomado o antítodo do veneno. Don Antônio manda que fuja. Peri diz que apesar de cercado o castelo ele tem meios para salvar mais uma pessoa, que pretende seja Cecília. Alegria de Don Antônio que, no entanto, diz não poder-lhe dar Cecília, dada a diferença de religiões. Peri renega seus deuses e Don Antônio, invocando a Trindade e fazendo da espada uma cruz, o faz jurar a nova fé. Ouvem-se os coros dos aventureiros e dos aimorés, enquanto entra Cecília. Don Antônio conta-lhe o ocorrido e como ela será salva. Despedem-se todos e Cecília é levada por Peri. Chegam os aventureiros,Don Antônio barra-lhes os passos diante da porta. Empunhando o archote, avisa que todos vão morrer, lança-os aos barris, que explodem, derrubando o castelo. Vemos Cecília ser salva por Peri.

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Il Guarany causou sensação no Scala, seu autor, um desconhecido jovem brasileiro, enfrentou a ópera italiana sem as noções preconcebidas que tanto atrapalhavam os compositores italianos contemporâneos de Verdi. Resolveu melhor que eles o problema de andamentos e continuidade dramática, o resultado foi uma ópera que se move rápida e seguramente. Julian Budsen, o musicólogo inglês, lança a hipótese de que a decisão de Carlos Gomes de incluir um balé exótico, brilhantemente orquestrado nesta ópera, desafiando a tradição italiana, teria levado verdi a seguir o seu exemplo em sua Aída, dois anos depois.

Fonte: Kobbe - O Livro Completo da Ópera

Jacques

domingo, outubro 16, 2005

Carlos Gomes - Biografia


Próximo domingo, dia 23 de Outubro, ouviremos a ópera Il Guarani de Carlos Gomes.

TEATRO DE ÓPERA - O mundo da lírica em obras completas
CARLOS GOMES - O Guarani. Solistas: Hao Jiang Tian, Verónica Villarroel, Plácido Domingo, Marcus Haddock, Carlos Álvarez. Coro da Ópera de Bonn. Orquestra do Beethovenhalle. Reg.: John Neschling.

As óperas de Carlos Gomes não têm tido o tratamento que merecem. A última gravação da ópera Il Guarani, no Brasil, foi em 1966. à época dos LPs. A mais nova gravação do Guarani foi com Placido Domingo, em 1996, justamente a versão que será irradiada pela Radio Cultura FM de São Paulo. Além de ser uma oportunidade rara de ouvir-se a mais famosa ópera de Carlos Gomes, a gravação é primorosa. Pelo que andei pesquisando, apesar de relativamente recente, a gravação já anda meio escassa nos estabelecimentos que comercializam CDs via Internet. A simples busca da capa da gravação foi infrutífera, isso, no entanto, é irrelevante visto eu possuir um exemplar da obra que oportunamente apresentarei aqui. Apesar disso fico triste com a pouca divulgação dessa excelente gravação, que tem a competente regência do titular na nossa Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, John Neschling.

Outra de suas ópera, Fosca, que vi aqui em São Paulo, foi gravada na Bulgária, em Sofia, mas poucas copias vieram para o Brasil. É uma edição histórica que quem tem não desfaz.

Carlos Gomes compôs ainda muitas modinhas que são conhecidas e que poucos associam a composição ao autor.

Para conhecer a sua biografia, abaixo vai uma píncelada que o situa historicamente no contexto de seus contemporâneos. Sobre Il Guarani falaremos mais tarde.

Biografia

1836 - Em 11 de julho nasce, em Campinas, Carlos Gomes, filho de Manoel José Gomes e Fabiana Maria Jaguary Cardoso. Apelidado de Tonico, inicia os estudos musicais aos dez anos, sob a supervisão de seu pai. Durante a adolescência apresentava-se com seus irmãos na banda do pai em bailes e concertos. Neste período, já compõe músicas religiosas e modinhas.

1854 - Compõe sua primeira missa - Missa de São Sebastião.

1857 - Compõe a modinha Suspiro d'Alma com versos de Almeida Garret. Fundação da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional. No discurso de inauguração, José Amat enfatiza os objetivos da Academia: "A música não é absolutamente a mesma em todas as nações; sujeita às grandes regras da arte ,ela se modifica no estilo e no gosto em cada nação, segundo as inspirações da natureza do país, os costumes, a índole e as tendências do povo."

1859 - Compõe a fantasia Alta Noite para clarinete. Apresenta-se, pela primeira vez, tocando piano, num concerto em Campinas, acompanhado de Henrique Luiz Levy. Faz uma tournée com o irmão violinista Pedro Sant'Anna Gomes, através das principais províncias de São Paulo, hospedando-se em repúblicas estudantis. Compõe o Hino Acadêmico, a modinha Tão longe de mim distante e a Missa de Nossa Senhora da Conceição.

1860 - Muda-se para o Rio de Janeiro, contra a vontade de seu pai, e inicia seus estudos musicais no Conservatório de Música.

1861- Apresenta sua primeira ópera com o libreto de Fernando Reis A Noite do Castelo no Teatro Lírico Provisório. Escreve uma carta para seu pai a fim de convidá-lo para a estréia.

1862 - Compõe Joana de Flandres.

1863 - Com o apoio do Imperador Pedro II, viaja para a Itália, berço da ópera e do belcanto, terra de Rossini, Verdi , Donizetti, Ponchielli.

1864 - Chega à Milão. Devido à idade avançada, sua inscrição é recusada no Conservatório de Milão. Passa a ter aulas particulares de composição com o maestro Lauro Rossi.

1866 - É aprovado no exame final de composição no Conservatório de Milão e recebe o título de Maestro. Compõe música para a revista Se sa minga, com texto de Antônio Scalvini

1867 - Execução, no Teatro Fossati do Coro das Máscaras, da canção Fuzil em Agulha

1868 - Enquanto Inicia seus trabalhos para a ópera O Guarani, compõe várias peças de música de câmara, com textos de Scalvini. Escreve as músicas Nella Luna, La Moda.

1869 - É recebido nos salões da Condessa Maffei, o que lhe abrirá as portas para sua apresentação no Scalla.

1870 - Apresenta-se no Teatro Alla Scalla de Milão com O Guarani, baseada no romance de José de Alencar. No intervalo da récita, vende todos os direitos da ópera para o editor Francisco Lucca por 3.000 liras, que passa a lucrar com a ópera mais do que o próprio maestro.

O Rei Vítor Manuel II o nomeia Cavaleiro da Coroa da Itália.

Em razão das comemorações do aniversário de D. Pedro II, a ópera é encenada no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro. A apresentação se encerra com os gritos do público: Viva o Imperador! Viva Carlos Gomes! Viva José de Alencar!

1871 - Escreve a opereta Telégrafo Elétrico e começa a trabalhar na ópera Os Mosqueteiros do Rei, que fica inacabada. Abertura da Exposição Industrial de Milão com O Guarani.Carlos Gomes é convidado para preparar a apresentação de O Guarani no Teatro Apollo em Roma. Em 16 de dezembro casa-se com a pianista Adelina Peri.

1872 - Contando com a ajuda de seu amigo André Rebouças, apresenta-se no circuito dos grandes teatros com O Guarani: La Pergola (Florença); Carlo Felice (Gênova) Covent Garden (Londres); Teatro Municipal de Ferrara; Teatro Municipal de Bolonha; Teatro Eretenio (Vicenza); Teatro Social de Treviso. Termina de compor Fosca, e encarrega Antônio Ghislanzoni de escrever-lhe o libreto Marinella, mas abandona o projeto. Verdi assiste à récita de O Guarani.

1873 - Nascimento do filho Carlos André e morte dos filhos Carlotta Maria e Manoel José. Estréia de Fosca no Scalla. A ópera foi duramente criticada na imprensa italiana, que a julgava impregnada do leitmotif wagneriano. Começa a compor Salvador Rosa, vendendo os direitos ao editor Giullio Ricordi.

1874 - Primeira apresentação de Salvador Rosa no Carlo Felice de Gênova. Começa a trabalhar em Maria Tudor, com libreto de Arrigo Boito e Emílio Praga. Estréia de Salvador Rosa . Nasce o filho Mário.

1876 - A pedido do Imperador Pedro II, compõe Saudação do Brasil, para ser apresentada nas comemorações do Primeiro Centenário da Independência dos Estados Unidos.

Inicia uma nova ópera com libreto de Ghislanzoni, A Máscara, mas logo abandona o projeto.

Apresenta Fosca no Teatro Colón de Buenos Aires, seguindo depois para apresentações no Rio de Janeiro.

É nomeado Acadêmico do Instituto Musical de Florença.

1878 - Inicia a construção da Villa Brasília, em Lecco. Escreve, para o Álbum musical do Trovador, a romança Corrida de Amor.

1879 - A ópera Maria Tudor , encenada pela primeira vez no Scalla, é um fracasso. Começa a escrever a música para a ópera cômica em três atos, Ninon de Lenclos, que logo abandona, devido a uma forte depressão que o acomete após a morte de seu filho Mário. Muda-se para Gênova. Conhece Hariclé Darclée, tornando-se amantes.

"Mário, subindo ao céu, aos cinco anos, me deixou na terra infeliz para toda a vida."

A ópera O Guarani começa a rodar o mundo: Livorno, Milão, Turim, Moscou e Pittsburgh. Em dezembro, começa uma nova ópera, Palma, mais um projeto inacabado.

1880 - Retorna ao Brasil na Excursão Lírica de Tomás Passini, visitando Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém. A companhia encena Salvador Rosa, O Guarani e Fosca. Compõe na Bahia o Hino do Centenário de Camões.

1882 - Publica Álbuns de Música de Câmara. Trabalha em dois libretos: Emma de Catania e Leona. Nenhum será terminado. Volta ao Brasil para participar da Estação Lírica do Pará. Nasce a filha Itala.

1883 - Organiza, em Milão, uma Companhia Lírica, e realiza nova temporada no Brasil.

1884 - O Imperador lhe pede uma marcha para comemorar a libertação dos escravos no Ceará: Ao Ceará Livre. De volta a Lecco, compõe a modinha Conselhos. Trabalha em dois libretos de Ghislanzoni, Os ciganos e Oldrada, também projetos inacabados.

1885 - Separa-se de Adelina Peri. Passa por graves dificuldades financeiras. A manutenção de Villa Brasília se torna onerosa.

1886 - Sofre de grave crise nervosa, somente aliviada com ópio. Promessas para encenar Fosca, mas nenhum teatro concretiza o convite.

1887 - Para pagar dívidas, vende a Villa Brasília com todos os móveis e objetos. Muda-se para um pequeno apartamento em Milão. Escreve Madrigal para a revista Cena Ilustrada. Morre Adelina e sua filha Itala vem morar com ele. Começa a trabalhar na ópera Morena, que também fica inacabada.

1888 - Termina de compor O Escravo com argumento de Visconde de Taunay e libreto de Paravicini.

1889 - De volta ao Brasil, apresenta O Escravo no Teatro Lírico, em homenagem à Princesa Isabel e à Lei Áurea. D Pedro II promete-lhe a direção do Conservatório do Rio de Janeiro; no entanto, a República é proclamada, não se realizando a promessa.

1890 - Volta à Milão e vai morar no apartamento de propriedade da Condessa Cavalini, sua amante. Inicia a composição da ópera Cântico dos cânticos, não concluída.

1891 - A ópera O Condor é encenada no Scalla. Faz parte, juntamente com Arrigo Boito, Bazzini e Catalani, da comissão julgadora para escolher o diretor de orquestra do Scalla. Morre D.Pedro II em Paris.

1892 - Compõe o oratório Colombo em homenagem ao IV Centenário do Descobrimento da América. Solicita ao governo ajuda financeira para representar o Brasil na Exposição Universal Colombiana de Chicago. Viaja para Chicago, mas apresenta somente trechos de suas óperas, uma vez que as subvenções do governo não cobrem o custo das apresentações. Retorna à Milão com o filho Carlos doente.

A apresentação de O Guarani em Chicago foi por água abaixo, pois o governo brasileiro não deu a subvenção esperada. No dia 7 houve apenas um concerto para convidados do mundo oficial daqui. Portanto, entrada grátis. Esperava fazer aqui um mundo de negócios, mas depois percebi a triste realidade! Neste país a arte é um mito. Os americanos não se interessam por nada que não seja uma novidade da vida prática, ou seja, o meio mais fácil de ganhar dólares! Carta de Gomes, escrita nos Estados Unidos, à Tornaghi.

1893 - Representa Condor no Teatro Carlo Felice em Gênova.

1894 - Concorre à cadeira de diretor do Liceu Musical Rossini, perdendo para Carlo Pedrotti. Trabalha em duas óperas, Kaila e Cântico dos cânticos. Assiste em Turim à estréia da ópera Manon Lescaut, de Puccini

1895 - Encena O Guarani em Lisboa e recebe, das mãos do Rei de Portugal, a Comenda de San Tiago. Recebe convites para dirigir a Escola de Música de Veneza e o Conservatório do Pará, porém, doente e disposto a livrar seu filho Carlos do serviço militar italiano, prefere partir para o Brasil.

1896 - Já muito doente, chega ao Pará em abril. Morre em 16 de setembro.

Fonte Biblioteca Nacional

Obs. Este artigo foi publicado anteriormente neste blog, em 16 de maio de 2005, quando dos preparativos para a audição de Salvatore Rosa, outra ópera do autor.

Jacques