terça-feira, outubro 25, 2005

Don Giovanni - O devasso punido

Pela ordem, da esquerda para a direita, Leporello, Don Giovanni, Donn´Elvira e Don Ottavio

Da mesma fonte do artigo de ontem, Metropolitan Opera International Radio Information Center, colhi elementos para o texto abaixo que exprime bem o contexto em que Don Giovanni, Il Dissoluto Punito, se insere.

É interessante notar que, embora advindo de uma história que se tornou muito popular, o tratamento musical que Mozart dá à opera é extremamente elaborado.

Mozart chega a montar uma cena onde, de um lado, os camponeses dançam ao som de um conjunto musical (músicos da orquestra que se deslocam para o palco, vestidos com trajes compatíveis, normalmente ambientada no Século XVIII), enquanto os demais convivas, nobres, dançam um minueto, ao som do restante da orquestra. Duas melodias que se complementam em todos os instantes. A graça e a perfeita sintonia em que ambas as "festas" evoluem e se desenvolvem é um dos muitos toques de genialidade deste compositor brilhante para essa genial ópera.

Óbvio que durante a trama, chegamos até a torcer pelo vilão, no entanto Da Ponte, o libretista, se encarrega de dar um final adequado ao nosso (anti) herói.

A obra estreou em Praga e sofre uma revisão cerca de um ano depois, nada drástico é verdade, para a sua apresentação em Viena, versão essa que é a mais conhecida e executada a partir daí. As alterações deram um rítmo mais ágil à trama. A partir daí caiu no gosto popular e está entre as mais executadas, o que persiste até nossos dias.

A foto que ilustra esse post foi tirada por mim, há alguns meses, em Praga, onde o teatro de marionetes é tradição e Don Giovanni tem audições diárias. De crianças a velhos, independente da idade, todos os dias são dias de Don Giovanni.

A Personagem de Don Juan


A personagem de Don Juan, na qual está baseada a ópera Don Giovanni de Mozart, foi introduzida ao mundo em El Burlador de Sevilla (1630), peça do monge e dramaturgo espanhol Tirso de Molina. A peça de Molina não tinha nada de especial; era uma narração admonitória sobre os perigos do ateísmo. Uma peça bem escrita mas que nunca foi considerada importante enquanto Molina vivia. A personagem de Don Juan, contudo, fascinaria a Europa por séculos vindouros, aparecendo em milhares de peças, histórias, estórias, poemas épicos, óperas, balés e investigações filosóficas sob diversos nomes — entre eles Dom Juan, Don John e Don Giovanni.

Artistas inspirados pelo tema de Don Juan incluem Moliére, Goldoni, Corneille, E.T.A Hoffman, Pushkin, George Bernard Shaw, Mozart, Gluck e Richard Strauss. Cada versão da estória introduz novas personagens, episódios e dramas — e com cada nova encarnação, novas personalidades e motivações de Don Juan. Um histórico detalhado da evolução de Don Juan através das gerações pode ser comparado a uma história filosófica, religiosa e artística da Europa.

Entre a estréia de El Burlador de Sevilla e a apresentação inaugural da ópera Don Giovanni de Mozart, a estória de Don Juan já sofre várias metamorfoses. O Don Juan de Tirso de Molina era um herói barroco, rebelde e exagerado, impulsivo e compelido a aventura. Com o contínuo alastramento da estória de Don Juan em outros países, ele perdeu algumas dessas características. Na Itália, a estória foi adotada pela Commedia dell’arte, um teatro de rua improvisado exibindo máscaras, comédias-pastelão e muitas piadas pesadas. A trupe enfatizou as proezas sexuais de Don Juan, tornou o criado em um trapaceiro italiano, e acrescentou novas pilhérias e personagens cômicas. O Don Juan italiano se tornou um homem inacreditavelmente egocêntrico, controlado por seus apetites monstruosos e implacável na conquista de seus prazeres sexuais.

Foi provávelmente o Don Juan italiano que Molière utilizou como modelo para sua brilhante (e intricada) versão da estória, Don Juan, ou Le festin de Pierre (1665). A peça subversiva de Molière, escrita durante o reino de Luís XIV, retrata a Don Juan como um nobre ocioso estragado por sua extravagância. Preguiçoso, obcecado com a beleza, desvalorizando qualquer coisa que não seja seu prazer pessoal, Don Juan é uma personagem que se sentiria em casa na corte do Rei Sol. Ele eliminou D'us de sua vida e ridiculariza qualquer sentimento religioso. Sua obsessão pelas mulheres advém de sua posição política e filosofia de vida.

Na Inglaterra, a personagem de Don Juan foi alterada brutalmente no The Libertine (1676) de Shadwell. Don John, o herói de Shadwell, foi o primeiro de uma longa lista de Don Juans a explicar a filosofia por trás de suas ações. Don John argumenta que todos os desejos derivam da natureza e já que algo natural não pode ser mau, o desejo justifica até os crimes mais horrendos. Don John vive de acordo com seu modo de pensar. Antes do início da peça, ele já cometeu uma média de 30 assassinatos — incluindo o de seu próprio pai. Ele é violento ao invés de apaixonado — mas defende seus crimes com lógica fatal.

Da Ponte (1787) apropriou-se espontâneamente de todas as narrações de Don Juan que precederam seu libreto, desde Molina e Molière à commedia dell’arte. Ele também deu novos atributos à estória, notavelmente a personagem de Donna Anna, cuja força e determinação captura desde então a imaginação de vários escritores. Novelistas eram particularmanete atraídos pela personagem de Donna Anna; E.T.A. Hoffman declarou que ela seria o amor verdadeiro de Don Juan se ela não tivesse aparecido em sua vida demasiado tarde para salvá-lo de sua cobiça. O próprio Richard Wagner estava convencido de que, no início da ópera, Don Juan já havia conseguido o queria com uma concordante Donna Anna.

Depois de Don Giovanni, a estória do sedutor libertino continuou evoluindo. E. T. A. Hoffman retratou Don Juan como um idealista romântico, eternamente frustrado em sua procura pela mulher perfeita. A busca de Don Juan é nutrida por sua convicção pessoal de que somente um amor verdadeiro lhe dará transcedência. Mais tarde, no século XX, George Bernard Shaw utilizou Don Juan como porta-voz para suas próprias complicadas convicções no terceiro ato de Man and Superman (Homem e Super-homem), uma peça dentro de outra peça chamada de Don Juan in Hell (Don Juan no Inferno). Outros descreveram Don Juan como um grande amante ou até como um homem a quem as mulheres não podem resistir — ambos conceitos que surpreenderiam Tirso de Molina.

Mas para a maioria, a ópera de Mozart e Da Ponte continua sendo a versão definitiva da estória de Don Juan, apresentando o mito em toda sua amplidão emocional e níveis de significado, além da personalidade de Don Giovanni em toda sua complexidade.

Desde então Don Giovanni encontrou uma platéia que se diverte e se emociona com uma trama, que pode ser tão complexa ou tão simples quanto se queira. Don Giovanni é indicado para crianças, jovens, adultos e as todas as pessoas da melhor idade.

Sem contra indicações!

Jacques

:

Blogger Dalva M. Ferreira said.

Grazzie!

26 outubro, 2005 09:11  
Anonymous Anônimo said.

Olá Jacques! Ótimas informações. Estou começando a pesquisa de montagem de uma peça teatral no Rio de Janeiro, sobre o personagem Don Juan/Giovanni/John. Gostaria imensamente de acessar seu material sobre ele. Tens as obras traduzidas? Será que podes nos ajudar?

Atenciosamente, Patrick Sampaio.
(Meu contato é patricksampfer @ gmail . com)

11 maio, 2007 18:31  

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