Por que tenho mais de uma versão de CDs ou DVDs de algumas óperas e concertos - Parte 2
O que diferencia uma gravação da outra?
Num primeiro momento, vamos nos abster dos DVDs, ou seja, da imagem e vamos nos concentrar apenas na informação sonora.
Para não lidarmos com diferentes programas, ou seja, um concerto de um autor seguida de uma peça de outro autor, vamos nos limitar a CDs que têm um mesmo programa.
Um bom exemplo será as Nove Sinfonias de Beethoven. Hoje, a maioria consiste em cinco CDs onde se distribuem as nove sinfonias.
Uma curiosidade, o CD de 74 minutos, foi concebida com esse tamanho, pois é a medida adequada para que nele caiba a Nona Sinfonia de Beethoven. Um dos inventores do CD deu um depoimento nesse sentido. E isso faz sentido, uma vez que as peças clássicas levam consideravelmente mais tempo do que as peças populares. Impossível precisar um tamanho médio, mas os CDs têm pouco mais de uma hora de conteúdo musical.
Então, porque tenho mais de uma gravação da mesma peça? Cada regente faz uma leitura diferente de cada partitura. Já me surpreendi escutando melodias que não percebi em outras gravações.
Cada orquestra soa diferente. Cada local de gravação também tem suas peculiaridades. No caso de música clássica, normalmente, o que se procura é não interferir na sonoridade de cada orquestra. Cada maestro procura imprimir a sua marca na gravação, alterando sutilmente uma passagem de violinos aqui, um timbre de trompas ali, a própria velocidade com que a música é tocada.
Karajan gravou as Nove de Beethoven, duas vezes à frente da Berlinner Philharmonia Orchestra. A segunda toma consideravelmente menos tempo do que a primeira gravação. À parte da diferença de tecnologia são duas leituras diferentes, em épocas diferentes, por um mesmo maestro, à frente de uma mesma orquestra, separada por uma geração inteira de equipamentos de gravação. Existem críticos severos da segunda versão. Quanto a mim respeito as duas e sigo escutando ambas.
Continuamos com as mesmas Sinfonias. A minha preferida é a gravada por John Eliot Gardiner à frente da Orchestre Révolutionnaire et Romantique. O nome é curioso, o que seria considerado uma orquestra revolucionária e romântica? Nada a ver com o nome em si, Gardiner se utiliza de instrumentos de época e partituras originais ou cópias destas, o quanto for possível chegar perto das originais.
E o que são instrumentos de época?
Óbvio que a parte mais fácil seria utilizar-se de instrumentos originais. Só que estes são instrumentos caríssimos, em número reduzidíssimo e que estão nas mãos de bem poucos. Há inclusive diversos instrumentos que pertencem a instituições que eventualmente os emprestam a um virtuose. E os que foram adquiridos por artistas, são peças únicas e que não estão disponíveis para formar uma orquestra. Instrumentos de sopro, estes não resistiram ao tempo, por suas características, eles se deterioraram. Cordas sim resistiram ao tempo, mas são peças caríssimas, notadamente o violino Stradivarius, nome de seu "luthier", é famoso pelo som que até hoje nos encanta e que não existe rival mesmos nos dias de alta tecnologia que vivemos.
Então, uma orquestra com instrumentos de época é uma orquestra que se utiliza de cópias de instrumentos tal como eram fabricados na época da composição das peças executadas. Eventuais modificações que foram incorporadas com o passar dos anos e que tornaram a sonoridade dos instrumentos mais brilhante, mais vigorosa ou com mais recursos técnicos, caso dos metais, por exemplo, são ignoradas no sentido de se obter um som mais próximo do original.
Então, uma orquestra como a de Gardiner, soa bem diferente de uma orquestra como a Berlinner Philharmonia Orchestra. Essa, por curiosidade, conta com instrumentos feitos especialmente para ela, apenas para mostrar o grau de sofisticação que pode chegar numa execução feita por essa excelente orquestra.
No entanto, apesar de todo o escrito até aqui, encontrei particularidades únicas numa velha gravação que possuo com o regente Wilhelm Furtwangler, onde encontrei novas melodias e novas dimensões nas duas únicas Sinfonias que possuo. Verdade é que se trata de uma gravação rara e que me emociona quando a escuto. Preciso pesquisar e ver se acho uma gravação integral das Sinfonias com este maestro. Infelizmente o meu apetite por ouvir mais e mais, limita o meu poder de ter muitas gravações de um trabalho tão extenso quanto este.
Bom, chegamos às óperas.
Tudo o que foi escrito acima se aplica às óperas, portanto poupo a vocês e a mim de repetir detalhes parecidos. Acontece que as óperas, com o advento das fitas VHS e posteriormente dos DVDs, trazem uma nova dimensão à música. A imagem.
Aqui cabe mais um adendo. A ópera é além do canto, uma arte que se une ao teatro, a representação e a música. Portanto é importante o aspecto visual. Aqui vai apenas uma palhinha para temperar o nosso cardápio.
Aqui entra em cena a encenação da ópera. Como distribuir os personagens? Como vestir os personagens? Como posicioná-los no palco?
Existem montagens onde o figurino é levado para uma época diferente da original. É possível e absolutamente correto, levar uma La Bohème de Puccini com figurino e cenários atuais, por exemplo. Existem filmes, gravados no exterior, isto é, fora do teatro, onde diretores de cinema filmam uma ópera no local do acontecimento, como, por exemplo, a Madame Butterfly, filmada por Frédéric Mitterrand, filmada no Japão.
Os exemplos seriam infindáveis e, portanto vamos nos ater ao que acima foi dito. A interpretação é tão importante que às vezes fica mais importante do que a ópera em si. A Tosca de Puccini, interpretada por Maria Callas, na cena onde Tosca mata Scarpia, ficou imortalizada pela atuação de Callas. São doze minutos de música, não se ouve uma voz e Callas interpreta esses doze minutos de uma maneira tão forte e tão categórica que influencia a maioria dos sopranos que a seguem. Quase sempre esta cena é interpretada com a coreografia, se é que assim podemos chamar essa impressionante interpretação, com os mesmos passos de Callas, os mesmos gestos, a mesma carga emocional.
Daí a importância de se analisar cada interpretação e degustar cada versão como se fosse única. E na ópera é assim que se passa. Cada interpretação é única. O aspecto físico, a idade e os dons de interpretação de cada cantor determinam e marcam diferentemente cada gravação que ouvimos e vemos.
Cada versão que somamos à nossa discoteca ou videoteca é uma viagem aos nossos sentimentos. É aí que nos sentimos o quanto somos pequenos perante esses gênios, compositores, músicos, regentes, cantores...
Montagens como a de Turandot de Puccini feita na Cidade Proibida de Beijin (Pequim) são acontecimentos tão raros e tão maravilhosos que nos é impossível descrever a sua beleza. E o DVD é filmado sobre uma apresentação ao vivo do evento. Não conheço nada que se iguale a essa montagem, apesar de ainda não ter visto a última que comprei, com o final de Berio esta vez, ao invés do tradicional final de Alfano (vide post abaixo). Poderei comparar o final de uma e de outra versão, mas terei sempre as duas à mão para reviver Turandot e Liù, a quem penso particularmente que Puccini preferia como heroína.
Aqui e ali andei citando a solta Puccini. Não é por acaso. Acho que ele é reconhecidamente o autor das óperas mais populares que conhecemos. Talvez por isso me prendi a ele e talvez por causa dele me apaixonei pelas óperas. A primeira que vi, não tinha mais do que dez ou doze anos, pelas mãos de meu pai, no Teatro Municipal de São Paulo, foi Madama Butterfly que me fisgou pela música e pela dramaticidade de seu final.
Comecei pelo autor mais popular, mas segui ouvindo, assistindo quando possível e formando uma discoteca de que muito me orgulho. Aos poucos fui tomando gosto pela coisa e passei a estudar e me emocionar com outros nomes da ópera, notadamente, Verdi, Rossini, Donizetti, Mozart, Giordano, R Strauss, Wagner e outros tantos nomes importantes que não os cito para não aborrecer o leitor destas linhas.
O importante é ouvir, apreciar, estudar e aos poucos, baseados em seu gosto pessoal, formar uma discoteca e uma videoteca que será um porto de chegada, um porto de abrigo, um porto aberto à imaginação e ao sonho. uma viagem que o levará ao centro do universo e ao mesmo tempo ao centro de si mesmo, por paradoxal que seja a afirmação.
Jacques
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