Já que os peixes não estão mordendo a isca, falemos de ópera...
Passei o dia fazendo minhas contas com o Leão. Aí coça que coça a cabeça, olha para o blog meio desenxabido, meio de esguelha e falar do que?
Outro dia disse que iria falar sobre algumas curiosidades, sobre o mundo da ópera, certo? Pois é!
Não tenho pretensões, meu conhecimento é parco. Apenas acho que existem certas peculiaridades, ligadas à ópera, que são interessantes para compartilhar. Aviso aos caros leitores, nada do que vai aqui escrito tem o rigor do músico, escrevo como simples diletante e melômano, audácia dos que pouco sabem e porisso tenho humildade para reconhecer o quão pouco tenho a falar. Mas audácia é audácia e vamos em frente.
Premissas colocadas, passemos ao discurso.
Primeiro, vamos falar apenas a respeito de curiosidades, que isso não pressupõe um rigor temporal. Portanto, se começamos pelo meio, voltamos ao início e depois vamos um pouco mais à frente, peço que me perdoem. Minha intenção é falar à solta, deixar uma trilha marcada que poderá ser retomada, para frente e para trás.
Existem, na ópera, convenções próprias do gênero. Ópera pressupõe música e canto, além da representação, é claro...
Só que, por hoje, deixaremos a representação para um segundo plano. A representação hoje é secundária, ao menos a parte visual. Façamos de conta que estamos ouvindo um CD de uma ópera.
Temos os cantores e a orquestra. Música maestro!
O nosso maestro inicia sua ópera e em dado momento os cantores começam a cantar. Estamos em meio a uma ária. Ária é o trecho onde um ou mais cantores cantam, fazendo solo, dueto, terceto, quarteto... O côro pode ou não estar presente.
Primeira constatação, a música precisa de um tempo para desenvolver-se. Um acorde, uma série de notas vai sendo tocada e aos poucos vai se organizando até que começa a criar um impacto. O seu "discurso" não é o de uma, duas ou mais pessoas conversando, é claro. Portanto, nas árias aquilo que aparentemente levaria meia dúzia de palavras para dizer, demoram um tempo consideravelmente maior.
O desenvolvimento da música requer forma e um balanço, vai e volta, retorna, repete, sobe de tom, volta ou qualquer outra seqüência que seja válida. Isso não é apenas na ópera. Vale para todos os gêneros musicais. Há o refrão, o estribilho, há a repetição, enfim, nada de novo, desde a cantiga de roda até o samba, todos os rítmos seguem um padrão mais ou menos constante.
Como na ópera isso normalmente é acompanhado de variações, antecipações de temas, revisões, pausas para que a ação se desenrole, antecipações de situações que aparecerão mais à frente, a cena se estende bem mais.
Raramente o que é dito com meia dúzia de palavras é assim interpretado. É preciso criar um clima, um efeito.
Por todos esses motivos, normalmente, quando uma ária se inicia, a ação dramática no palco, quase que se imobiliza. É aqui que acontecem coisas do tipo que anteriormente citei, e aqui repito, um herói ou uma heroína, que foram apunhalados, que receberam um tiro, ou de alguma maneira estão mortalmente feridos, ou calmamente entregando suas almas, cantam por vários minutos, o que requer muito fôlego, antes de expirarem.
Às vezes acontece até o inverso.
Poderia citar um exemplo, Gilda, ao final do Rigolleto, ferida de morte por Sparafucile, o assassino, que, no escuro, pensando que ela fosse o Duque, a coloca num saco que entregará a Rigoletto. Nesse momento, o mais emocionante e comovente da ópera, Rigoletto, exultante com o suposto corpo do sedutor de sua filha (Gilda), escuta o Duque dentro de uma taverna cantando "La Donna è Mobile", rasga o saco e descobre o corpo de sua amada filha.
É nessa hora que Gilda (morta), começa a entoar um canto de despedida e pede perdão a seu pai, Rigolleto, por estar no lugar do Duque. Verdi e seu libretista, Piave, sentiram que Gilda teria que "sobreviver" o tempo necessário para que a música desse o devido peso ao trágico desfecho. A melodia é inesquecível.
Realisticamente, ela já estava morta quando Rigolleto abre o saco.
Suficiente como exemplo. É uma das cenas mais lindas que conheço mas certamente nossas crianças, bem mais diretas, não entenderiam nada disso. Nos desenhos animados, o fato é direto, atirou, caiu e morreu. Nas historinhas que nos contam, acho que o único paralelo, é o da Avózinha do Chapéuzinho Vermelho, que é salva da pança do Lobo Mau...
Outra peculiaridade da ópera, a repetição do texto, em sí, nada dramático. Ouvintes que porventura estiverem acompanhando o texto, no libretto, ficarão espantados de ver que quatro linhas de verso podem se alongar por dez minutos, às vêzes mais...
A melodia vai se repetindo, vai evoluindo, vai se tecendo, se desenvolvendo, às vêzes voltando e recomeçando, enfim a linguagem da música exige esse tipo de malabarismo estético. E é o próprio ouvinte que avalia e quer as palavras se repetindo para ouvir a melodia, a música. Essa repetição, contrária ao senso ou não, deixa de ser importante se a música penetra em nossas mentes e nos emociona.
É o efeito que os nossos compositores desejam e que nós, ouvintes, ansiamos.
Acho que, para um fim de sábado e comecinho da madrugada de domingo, é o bastante...
Da próxima vez que ouvirem uma música, qualquer gênero, vocês vão identificar essas nuances, comuns é verdade, mas que estamos tão acostumados que nossas mentes nem param para analisar.
Pessoal, o peixe que é bom, nada... Resta saber se eu vendi o meu peixe.
Boa noite para quem é da noite, bom dia para quem é do dia!
Jacques
:
É um mercado de peixe! no bom sentido, com toda a sonoridade que devem ter os mercados em Portugal. Só encontrei peixe bom, ao contrário do que o capeta vendia, no lusitano Gil Vicente:
SERAFIM:
Muito bem sabemos nós
que vendes tu cousas vis.
DIABO:
I há de homens ruins
mais mil vezes que não bõs,
como vós mui bem sentis.
E estes hão de comprar
disto que trago a vender,
que são artes de enganar
e cousas para esquecer
o que deviam lembrar;
que o sages mercador
há de levar ao mercado
o que lhe compram melhor,
porque a ruim comprador
levar-lhe ruim borcado.
....
É isso aí!
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