sexta-feira, abril 15, 2005

Lado alado...

Hoje dei para brincar com as palavras.

Só quem mora em São Paulo conhece o gosto de ter de sair de casa com o carro após as 10 da manhã e estar de volta antes das 5. Não é esse o meu tema de hoje.

Palavras... Podem ser doces, podem ser salgadas, podem ferir, podem curar, podem ser mortais, podem ser imorais, podem... Tudo pode!

O caso do zagueiro do Quilmes, está em todos jornais. Meras palavras? Não, não... São as palavras proferidas "no calor da batalha" para desestabilizar um adversário? Mais uma vez não. Foram palavras usadas para ferir, humilhar...

O que no seu país não é crime, aqui é.

A discriminação racial é degradante. Não posso dizer que nunca aconteceu comigo. Aconteceu. E é uma sensação muito má. Acredito que alguns aprenderão a lição. Outros, infelizmente, se acham mais poderosos do que a lei e mais, que o braço da lei é curto para alcançá-los. Um dia esses sofrerão na carne o escárnio de seus atos.

Espero que os jogadores de futebol e as torcidas aprendam a lição. Mais, que cada cidadão mire-se profundamente no espelho e questione-se sobre esses acontecimentos. Está em nossa mãos fazermos uma humanidade mais unida, mais integrada e mais justa.

Já passei por um aperto, nada semelhante claro, quando há cerca de uma ano dirigia numa estrada do Colorado. Não percebi o limite de velocidade. Logo em seguida, aquela cena que está em muitos filmes, um carro de polícia, a sirene, a ida ao acostamento, a identificação... Resumindo, o xerife deu alí mesmo a sentença. Como eu era estrangeiro, fui condenado, alí mesmo, a uma admoestação verbal de quinze minutos...

E tem mais, durou exatos quinze minutos. E o discurso tinha nexo. Lei é lei... E depois disso recebi os votos de boa viagem, deste simpático cidadão, zeloso guardador da lei e da ordem, Mr. T. H., de Dolores County, Dove Creek, CO, Sheriff´s Office. Aprendi minha lição. Guardo o cartão até hoje. Omito o nome do cidadão porque, tenho certeza, não estava a procura de fama.

Mas, falava eu do exaspero que é agüentar até as 10... Saí um pouco antes e passei numa livraria que existe lá perto de casa. Tinha vinte minutos para mim.

Passeei pelas estantes, folheei livros, voei como um pássaro. Esqueci-me do rame-rame do dia-a-dia, esqueci do rodízio, entrei em estado de meditação pura.

Como, apesar de muito badalada, era cedo, havia pouca gente. Tomei um cafézinho, quando aprendi português grafava-se cafèzinho, em todo caso naquela época não era o expresso, o tipo italiano, era o de coador mesmo. E o café estava ótimo!

Passei pelos livros de fotografia... Pelos de aquitetura, que saudades... Tinha uma edição comemorativa do Don Quijote de La Mancha, edição comemorativa dos 400 anos, editada na Espanha... T.S. Elliot, em tradução comparada, inglês e português...

Passei pelos livros de culinária, passei por um cujo título me chamou a atenção, O que Einstein disse a seu cozinheiro, ou algo parecido, não me lembro o título direito, mas o assunto era tecnologia alimentar.

Pude sentir o peso dos livros, sentir o cheiro do papel recém impresso... Na secção infanto juvenil vi Jules Vernes, Vinte Mil Léguas Submarinas, em francês. só acho que vai passar um tempinho até esse livro encontrar o seu dono.

Sim, porque os livros lá estão escolhendo seus donos, seus leitores. Um pouco como os gatos, que deixam que pensemos que somos seus donos mas, em realidade, são eles que nos escolhem, seus animais de estimação somos, nós...

Viajei a mil... Um telefonema no entanto, me fez ficar pensativo, só escutei um lado da conversa, portanto intuo o outro lado. Resumindo, um autor, ou autora, querendo saber quantos e se alguns livros haviam sido vendidos, pois eram consignação. O que me deixa pensativo, qual o sacerdócio em editar e publicar um livro e depois ter de se preocupar com a venda, consignada, por sinal. A livraria não corre riscos... Vida dura!

Voltando a meus devaneios, um livro de fotografias de São Paulo, edição comemorativa dos 450 anos dessa nossa mégalo-acéfalo-paquidérmica-metrópole... Livros de botânica, um sobre ervas medicinais, lindo, mas quando é que iria me dedicar a estudá-las?

No capítulo das palavras, me lembrei de um professor de Português, lá na quarta série do ginásio, que dizia gostar de mulheres petulantes, abundantes e pernósticas... Gostava das frases de efeito. Muito preconceituoso. Muito espirituoso. Hoje estaria enquadrado em algumas leis, provavelmente, mas que eram engraçadas suas aulas, lá isso eram. O nome me sumiu, mas suas aulas perduram...

Minha viagem ao mundo gráfico continuou por mais algumas estantes... Cheguei à conclusão, falta-me tempo para adquirir o acêrvo que cabe na minha cabeça, que quero, mas que não cabe no tempo que me resta. Conto com uma certa ajuda Divina para que eu possa ler muito ainda do que ainda quero. Oxalá!

Aí ví o último livro do Gabriel Garcia Marques, no original, aí não resisti... Aí já era demais. A César o que de César. Comprei! Memoria de mis Putas Tristes...

Meu vôo, começado trinta minutos antes, estava chegando ao fim... Mas ficou o sabor do café, o cheiro da livraria, as cores dos livros, a paz dos que têm prazer em folhear um livro e a capacidade de sonhar de olhos abertos, um espaço abriu-se em meu cérebro e que andava ocupado com pequenos problemas que deixaram de ser, outras tantas fotografias que mentalmente ando tirando, algumas que ainda vou lembrar de levar a máquina para apertar o botão, outras ficarão somente em minha memória.

Minha mente tinha alçado vôo, esperançada de continuar nas nuvens, talvez não mais pousar...

Jacques

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Blogger Dalva M. Ferreira said.

As palavras são mágicas! lendo seu texto, imagino-o, nas nuvens, saindo da livraria em "Alfa". Presa fácil para os gatunos, ladrões, assaltantes, amigos do alheio, punguistas, trombadinhas, etc...o rosário dessa fauna é imenso! E você, pobre "nefelibata" - não parece coisa de biologia? "ele pertence à ordem dos nefelibatas, classe dos protozoários ungulados, da mesma família que o demodex folliculorum, aquele pequeno cordado". Boa leitura, e comente conosco.

15 abril, 2005 16:46  

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