Ópera, um espetáculo de paixão.
Não é de hoje que fenômenos como o aplauso, a vaia e outras manifestações de verdadeira paixão ou ódio se manifestam ao longo dos espetáculos que se sucedem nos teatros líricos espalhados ao redor dos principais centros culturais do mundo.
Assistir a uma ópera é uma experiência totalmente diferente daquela experimentada por uma platéia que disciplinadamente, polidamente, aplaude com maior ou menor intensidade uma orquestra ou um conjunto de câmara.
Primeiro, a ópera, como espetáculo, é a sucessora longínqua dos espetáculos que aconteciam em praça pública por grupos teatrais medievais que se exibiam nas praças centrais das cidades.
Isso implicava na interação entre a platéia e os atores.
Havia, por exemplo, a torcida da mocinha, que aplaudia quando esta pregasse uma peça, por exemplo, na madastra (que por sua vez também tinha a sua torcida) e era vaiada pela torcida desta última.
Multiplique-se cada torcida, vaiando ou aplaudindo a trama, ao sabor dos acontecimentos que se desenvolviam numa arena, provávelmente o centro da praça, pelo número de atores dessa peça e teremos uma idéia do que acontecia nesses espetáculos.
Grande parte de nós já vimos esse tipo de reação quando levamos nossos filhos a um espetáculo de teatro infantil onde tal comportamento, na maioria dos casos faz parte do envolvimento de nossas crianças torcer pelo mocinho e vaiar o bandido.
A ópera, simplificadamente, é a sucessora daqueles espetáculos de menestréis que se apresentavam nas aldeias ancestrais.
Assim é que a ópera herdou grande parte desse tipo de reação dos espectadores.
Não seria aceitável um grande tenor, da estatura dos maiores atualmente do mundo, ser vaiado em plena cena, como Pavarotti o foi, numa de suas últimas apresentações no Metropolitan Opera de New York. Pois foi o que aconteceu. E certamente não foi o primeiro e nem será o último.
Tenho, no entanto, a gravação do mesmo Pavarotti, na ópera Tosca, no papel de Cavaradossi, onde, no vídeo, o mesmo Pavarotti, mais moçoilo é verdade, dá um bis em pleno espetáculo...
Isso só é possível porque, no caso das óperas, as paixões são exuberantes.
Torcemos pelos personagens, torcemos pelos cantores, enfim, "pão e circo".
Algumas peculiaridades reforçam o que aqui escrevo.
Primeiro, por ser um espetáculo dirigido às massas, as óperas eram consideradas, por muito tempo, como descartáveis. Algumas milhares ficaram esquecidas e nunca mais foram representadas, noutras, partituras serviram para embrulhar lanche de muitos músicos.
Muitas, milhares de óperas não sobreviveram ao tempo. Não havia na ocasião a cultura para preservar a partitura das óperas encenadas. O julgamento era cruel. A ópera era boa, fazia sucesso e guardava-se a partitura. Se não fôsse boa, estava fadada ao esquecimento e sabe-se lá onde ficaram as partituras.
O libretto podia ser bom e a ópera, escrita sobre esse folheto, não. O que se fazia? Descarta-se a música, aproveitava-se o libretto...
Também houveram casos de se aproveitar músicas escritas anteriormente, pedaços é verdade, para novas óperas. Normal, embora não usual.
Outro compositor aproveitaria a mesma história, adaptaria um novo libretto e fazia uma outra ópera. Ainda poderia acontecer de, usar-se a mesma história e fazer-se outra ópera, ainda que a primeira tivesse tido sucesso.
Parece sina, citar a mesma obra, mas existe a Manon de Massenet (1884) e a Manon Lescaut de Puccini (1893). Ambas fizeram sucesso a seu tempo, ambas são representadas até hoje, a de Puccini tornou-se mais conhecida.
Obras de escritores famosos foram adaptadas para ópera, por exemplo, Macbeth e Otello de Shakespeare viraram ópera na mão de Verdi. Só que a trama foi simplificada em ambos os casos.
E isso era uma regra, tomava-se uma história, aproveitava-se o arcabouço e lá vinha o libretto com as modificações a gosto dos seus compositores. Algumas ficaram até melhores, outras...
Noutras acontecia de um compositor fazer uma ópera e outro fazer uma outra, baseada nos (quase) mesmos personagens, por exemplo, Mozart fez As Bodas de Fígaro (1786), Rossini fez O Barbeiro de Sevilha (1816). Ambas praticamente se calcam em personagens muito semelhantes.
As casas editoras tinham praticamente sob seu jugo os compositores. Contratos que ligavam este ou aquele compositor a esta ou aquela editora, eram tão decisivos na produção de óperas que eram como duas oponentes que se degladiavam em "lutas" de vida ou morte. Seus compositores também tinham que dançar de acordo. Encomendas se sucediam na mesma medida que obtinham sucesso, portanto, era melhor que se fizesse.
Rossini, por vezes acabava suas óperas no dia da sua estréia, às vezes, não houve nem ensaio. Algumas foram compostas em dias, algumas em semanas...
Houve caso de ópera onde o compositor, preso por dívidas, literalmente na cadeia, escrevia para um intermediário que, por sua vez levava as partituras, diretamente ao teatro. Preciso pesquisar quem foi, confesso que me foge à memória.
As torcidas, a claque... Cada teatro tinha a sua, vaiava no teatro oponente e aplaudia em seus teatros. Havia a claque dos artistas. Mesmo o menos dotado era aplaudido por seus "defensores" e apupado pelos "rivais". E tinham de ser muito bons para contar com o aplauso do resto do teatro.
O sucesso se media pelo número de récitas... Se fôsse um êxito, a peça era repetida dezenas de vêzes, se fôsse um fracasso... Tenho pena dos compositores.
No capítulo dos cantores, cada compositor tinha os seus preferidos, fazia a ópera pensando em determinado cantor. E a claque estava alí, para vaiar ou aplaudir intensamente. Não devia ser fácil a vida de artista...
Óperas que seriam encenadas na França, por exemplo, tinham uma parte que era um balé, composto especialmente para a obra. Don Carlo de Verdi, tem um balé enorme que era encenado na França mas, atualmente é omitido na maioria das apresentações.
Lugar chique na platéia? Não... Platéia era para o povo. Os finos da época assistiam de camarote, literalmente...
Como havia de se fazer o público se calar e se sentar, isso quando o povo ganhou cadeiras, as aberturas se tornaram populares. Enquanto a abertura se desenrolava é que os espectadores iam se arrumando para o espetáculo.
Houve uma época onde cada ária era aplaudida e portanto os compositores já construiam suas tramas de maneira a acomodar esses aplausos. Com o passar do tempo isso meio que se tornou mais difícil pois a ação se sucede sem aquelas pausas propositais.
Portanto, a próxima vez que houver oportunidade, venha sentir como ainda é êsse gênero artístico peculiar.
Não importa que a trama não faça muito sentido, não importa que o público aplauda seus ídolos interrompendo a ação em momentos apropriados, o que já está normalmente previsto. Cantores esperam aplausos e assobios entusiastas, o que é a consagração da obra, dos músicos, dos cantores, dos côros e dos maestros.
Tudo é válido nesse mundo de paixão. Hoje em dia se coloca até legendas na língua do país de execução. Um bom número de obras é cantado em masi de uma lingua. Há Don Carlo em Francês e há Don Carlo em Italiano.
Os musicais americanos, que sucedem em sucesso as óperas nesta segunda parte do século XX, estão aí para mostrar que, apesar de se destinarem a públicos mais abrangentes, herdaram muito do mundo mágico onde o espetáculo começa com o canto dos cantores.
Se algum de vocês notarem certa semelhança com algumas novelas da Globo, também não estão errados, não é mera coincidência. Cada geração tem a sua paixão por novelas. No caso a novela, na época, chamava-se ópera e era destinada ao grande povo.
De passagem menciono os shows de rock, não é familiar o que escrevi?
O que se vê hoje, na ópera, é uma certa elitização de reações, o resto, amigos, funciona exatamente da mesma maneira...
Bravo!!!!!!!!!!! FFFFiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiuuu!!!
Jacques
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