quinta-feira, maio 19, 2005

De Carlos Gomes, Salvator Rosa

É interessante como o estudo das óperas nos reserva algumas surpresas. Antes de escrever este artigo, dei uma pesquisada no que poderia falar sobre essa ópera que a Cultura FM de São Paulo vai irradiar no próximo domingo as 15 horas.

Às vezes a coisa não prospera e você sofre para ter algum material, ainda mais quando se trata de uma ópera de compositor nacional e que raramente é executada. Isso em absoluto depõe contra a obra, é que nem sempre o sucesso da obra é indicativo da sua qualidade.

Para minha surpresa, além de um link que aqui coloco, com a sinopse da ópera, no site da Biblioteca Nacional, pouco material aparentemente seria de nosso interesse.

Não foi o caso, achei exatamente o CD que irá ao ar e além disso um comentário a respeito da audição ao vivo da mesma ópera com o mesmo elenco. Sorte!

Como podem ver pelo anúncio, é uma obra rara e que felizmente tem um registro fonográfico à altura.


"2000 - SALVATOR ROSA - Gomes - Lisa Livingston, Andrea Baker, Caroline Dowd-Higgins, Fernando del Valle, Christopher Lemmings, David Curry, Michael Gluecksmann, Michail Milanov, Jürgen Frantz. d - C David Higgins,
dir - Michael Beauchamp, c - Patrick Shelley.

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Vou me permitir traduzir (tradução livre, claro!) a crítica de Russel Burdekin, de 18 de Agosto de 2000, sobre a récita ao vivo do mesmo elenco. Vocês acharão o original aqui.

"A Dorset Opera trouxe a sua produção de Salvator Rosa ao Teatro de Bloombury, na última segunda feira, 14 de Agosto (de 2000) para a sua primeira visita a Londres. Eles se apresentaram também em Shelborne na quarta-feira e na sexta feira passadas.

Embora brasileiro, (Carlos) Gomes viveu sua vida, em termos de ópera, na Itália, na última metade do século XIX. Verdi foi óbviamente seu modelo. Na verdade, supõe-se que Verdi tinha muito boa impressão de Gomes, com o editor Ricordi tendo encarado Carlos Gomes como o sucessor de Verdi.

Salvator Rosa estreou em 1874 sob considerável aclamação. A história é baseada numa revolta que aconteceu em 1674 dos Napolitanos contra a Espanha que reinava sobre Nápoles, o mesmo assunto, embora não o mesmo texto da La Muette de Portici do autor Auber. O libreto era de Ghislanzoni, o mesmo que fez o libreto da Aída para Verdi. Salvator Rosa (Fernando Del Valle), amigo de Masaniello (Michael Gluecksmann) o lider da rebelião, está enamorado pela filha do Vice-Rei Espanhol, Isabella (Lisa Livinstone). Os rebeldes, tendo ganho a disputa, são traídos pelos espanhóis, Masaniello é morto e Isabela, negando-se a casar com Salvator Rosa, se suicida.

Foi um enorme esforço da Dorset Opera, levando-se em conta que a ópera foi ensaiada por sómente duas semanas e, pela primeira vez, eles se transportaram para Londres no domingo e estavam prontos para se apresentar na segunda-feira. Patrick Shelley, o maestro, compilou a partitura de diversas fontes pois não havia uma partitura integral da obra, e levando-se o pouco tempo de ensaios, possivelmente isso trouxe como resultado, pequenas falhas ou deslizes da orquestra, particularmente na abertura.

Michael Milanov, o baixo que faz o papel de Vice-Rei, é um dos pontos altos dos cantores e parecia completamente à vontade no papel, levando-se em conta as circunstâncias, os demais solistas tenham se saído muito bem, embora tenha havido momentos de falha de colocação e posicionamento no palco, resultado do limitado tempo reservado aos ensaios. Gennariello, amigo de Salvator, foi cantada pela mezzo-soprano Andrea Baker, provavelmente para equilibrar o naipe de vozes. O coro era grande, cerca de sessenta pessoas, o que deu boa profundidade ao seu som, embora o palco ficasse congestionado por vêzes.

O projeto e a direção foram , por necessidade, bastante simples, mas, importante, não comprometeram o impacto geral. Os cenários trazidos pela parte artística usaram como recurso, cenas através de portas, além de uma grande pintura do Monte Vesúvio (eu presumo), que ocupava a maior parte do fundo do palco. Eles mantiveram os costumes (figurinos) bem neutros, o que deu um ar colorido e ao mesmo tempo profissional ao conjunto da produção. (...)

A música foi muito interessante, mais pelo ela não foi do que pelo que ela foi. (N.T. Apenas estou expressando a opinião do autor da crítica). Não há nenhuma evidência de qualquer influencia brasileira, mas, como esperado, Verdi está presente na partitura em muitas passagens como, por exemplo, o dueto Rosa/Massaniello, tipicamente uma influencia de Verdi no dueto tenor/barítono mas sem o brilho deste. Houve diversas ocasiões onde a música parecia crescer para um climax que apenas deixou de acontecer. A ária de Genariello soou arrebatadora na sua introdução pelas cordas mas falhou quando cantada. Embora possa ter havido falha de composição para vozes, também poderíamos encarar essas oportunidades como pontos de parada propositais em favor da construção de um estilo dramático. Ao se aproximar o final, Salvator tenta persuadir Isabella para fugirem juntos e ao invés do esperado dueto de despedida, escutamos apenas um complexo recitativo. O monólogo do Vice-Rei e o dueto com a sua filha, os pontos altos da ópera, para mim, foram também para o lado do recitativo ao invés da ária e o mesmo caminho foi delineado no "finale". No entanto, Carlos Gomes, parecia estar pensando em quadros musicais ou talvez apenas lutasse contra o legado de Verdi.

A Dorsay Opera está gravando suas apresentações pensando em publicar um CD da obra embora eu não acredite que ele venha a ser publicado, o que seria muito bom para que se pudesse verificar essas nossas primeiras impressões. Um esforço de primeira classe para comparar-se com a obra prima de Carlos Gomes, Il Guarani."

Russel Burdekin - 18 de Agosto de 2000

Como podemos ver, felizmente, o crítico não confirmou sua última previsão, o CD foi gravado e está à venda...

É óbvio que Carlos Gomes tem uma forte influência verdiniana mas, não podemos escutar a obra como sendo escrita por um outro Verdi. Verdi foi único. Carlos Gomes, foi um seguidor da escola de Verdi, se é que podemos criticá-lo por isso. Sua obra carece da unidade de Verdi embora pudessemos utilizar o chavão, que aqui se aplica, Verdi é Verdi, Carlos Gomes é Carlos Gomes.

Uma curiosidade que não pode deixar de ser notada é o papel de Genariello, cantada por uma voz feminina, Andrea Baker, mezzo-soprano, uma dessas coisas que acontece algumas vezes no mundo da ópera. Mozart e outros compositores utilizaram-se de recursos parecidos, embora, neste caso, a regra penda para papéis masculinos cantados por mulheres. Isso por sí só já daria assunto para um outro artigo, e que pretendo abordar em futuro próximo.

Tenho certeza que vai ser uma audição muito interessante.

Jacques


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Blogger Dalva M. Ferreira said.

Non abutere infinita patientia tuis, magister, voluit... se não me falha o latim: sem querer abusar da tua infinita paciência, mestre: quando ele diz que Carlos Gomes não evidencia nenhum traço de cor local, é compreensível, dado que ele se debruçava sobre o clássico, sobre Verdi. Mas, ao trabalhar um tema contagiante como o Guarani, poderíamos ainda dizer que ele não mostra algo nosso? Não só no tema, veja bem, mas o tema não conduz, de certa forma, a mão do compositor? O que você acha?

21 maio, 2005 15:53  
Blogger Asparagus the Firefrorefiddle, the Fiend of the Fell said.

O nacionalismo, o folclore e assuntos populares servem de inspiração para os músicos.
O Guarani de Carlos Gomes é a obra musical de maior importância desta época. Há um porém, apesar de tratar de um assunto genuinamente nacional, o romance O Guarani de José de Alencar, Carlos Gomes usa toda uma estrutura de ópera predominantemente italiana, o que aliás não desmerece a obra. Há que se separar a trama da estrutura da obra. Nitidamente de inspiração nacionalista O Guaraní tem como título Il Guarany.
Minha opinião pessoal é de que isso não desmerece a obra, Carlos Gomes, afinal, ele foi mandado para a Italia, às expensas de seu padrinho, D. Pedro II, para lá estudar e compor.
Antes dele, Mozart, austríaco de nascimento, já havia composto várias óperas em italiano, já naquela época considerada como o berço da ópera (na realidade deveríamos considerar a frase no plural, ou seja, Italia, um dos berços da ópera), posteriormente Mozart compôs óperas em alemão, também com muito sucesso.
Há que se considerar que a música é diferente do libreto, disso aqui já tratamos, óperas com libreto sofrível tendem a ter menos sucesso junto ao público e junto à crítica. O próprio Carlos Gomes sofreu crítica severa, na época, ao compor Joanna de Flandres, em português. Como curiosidade transcrevo aqui um trecho da crítica da citada ópera:

Os versos do libretista Salvador de Mendonça são acusados de estarem repletos de erros "horrores, inferno e de ta, te, ti, to, tu," sílabas que destroem as notas harmoniosas de Carlos Gomes transformando a ópera Joanna de Flandres em "Joanna Funileira".


Polêmica publicada no Jornal do Commercio em 1863.

Sobre O Guarani, Mario de Andrade, escreveu:

O tenor Reis e Silva estava doente. Bastante adoentado mesmo, a julgar pela enorme maioria dos sons que emitiu. E assim mesmo quis cantar. Levaram O Guarani, de Carlos Gomes. Pobre Carlos Gomes, filho duma terra infeliz, as criaturas do teu gênio excelente estão condenadas a um martírio cruel!

A Europa? Essa Europa leviana e ingrata, a cuja atração te entregaste e foi a direta causa das tuas melodias admiráveis, essa esqueceu tuas obras por outras obras e te trocou por deuses novos. Pobre Carlos Gomes! Do teu engenho formoso a Europa guarda apenas um desmiolado vestígio, na "Protofonia" do teu Guarani, executado nas orquestrinhas das estações de água!

E tua pátria o que faz? Tua pátria, às vezes se recorda de ti, e quando surgem por suas plagas as faustosas companhias líricas, que lhe custam os olhos da cara, obriga essas companhias por contrato a levarem uma obra de quem há de ser, senão tua? E as companhias então, desesperadas da nossa miséria artística, e esfomeadas do nosso ouro, socorrem-se do Guarani.

Encenaram a "trouxe-mouxe", escolhem seus mais baratos cantarinos, aproveitam os heróicos ases do canto nacional em italiano, que também o contrato impôs, ensaiam dois dias e lá vai Guarani, gente!

Pobre, desgraçado Carlos Gomes, filho duma terra infeliz! Nunca jamais em tempo algum as obras do teu engenho excelente serão levadas como merecem! Ninguém nunca jamais ouvirá bem cantadas as tuas melodias admiráveis.

E quando uma esperança leve surge de que uma companhia lírica nacional te execute, ao menos com sinceridade, a tua cagüira, a cagüira que não te larga, a grande e misteriosa deusa dos nossos lares, a majestática, a estragosa, a irrecorrível, enfim, a "Cagüira" põe o tenor Reis e Silva adoentado! E tua, pobre e miserabilíssimo Carlos Gomes, filho duma terra infeliz, ficará ainda e ainda, para todo o eterno sempre, esperando por outra vez!


Mário de Andrade. Diário de S. Paulo; coluna "Primeiras". 21 jul. 1933.

Respondendo à sua pergunta, que dela não fujo, Carlos Gomes compôs muitas músicas brasileiras, as modinhas entre elas, mas O Guarani foi composto dentro dos cânones da ópera italiana da época. Não sou tão nacionalista quanto Mario de Andrade mas, no geral, ele estava certo.

Jacques

21 maio, 2005 17:06  
Anonymous Anônimo said.

Bonjour Jacques,
L'hommmage de Mr Carlos Antonio Gomes à Salvator ROSA par son opéra est une immense consécration en fin du 19 iéme siécle de l'oeuvre et de la vie de l'artiste Italien .
Cordialement

Buenos días Santiago, El hommmage de Mr Carlos Antonio Gomes a Salvator ROSA por su ópera es una consagración inmensa al final del 19 iéme siécle de la obra y de la vida del artista italiano.
Cordialmente

23 setembro, 2007 05:36  

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