Fausto de Gounod, uma das mais populares óperas

A cena final de Faust - Marguerite, Faust e Méphistophélès
A ópera Faust de Gounod já foi a ópera mais popular do mundo.
Até nossos dias, no Opéra de Paris, já se chegam a três mil o número de representações. Em Londres, no Covent Garden, ela foi tocada, todos os anos, de 1863 a 1911 e, até o início da Segunda Grande Guerra, já havia sido representada mais do que cem vezes à frente das demais obras do repertório operístico.
Em Budapeste é a primeira do ranking... Faust abriu o antigo Metropolitan Opera de New York. Chegou a fazer grande sucesso em italiano, lingua que nossos antepassados haviam se acostumado a ouvir, aqui se abre um parentesis, muitas obras tem versão para outras linguas que não a original.
Os alemães se interessaram primeiro por Faust, antes mesmo de fazer sucesso na França, mas estes a denominavam de Margarethe para diferenciá-la de seu tesouro nacional, o Faust de Goethe.
Todos os grandes cantores têm o seu currículo a ópera Faust. Gounod foi um compositor elegante e que compunha com grande estilo.
Se formos contar os pontos altos da ópera Faust, chegaremos a treze árias. Para comparação, Carmen, tem oito, Aida, tem sete.
Muitos de vocês, certamente, identificarão árias de Faust, embora não relacionem as árias à ópera. A Valsa da mesma ópera é conhecidíssima.
Faust perdeu uma boa parte de seu encanto devido à maciça presença de música popular que inundou nas últimas décadas nosso mundo musical.
É lógico que reconheçamos que Gounod não é tão profundo quanto Goethe, aliás, quase nenhuma grande peça teatral consegue manter o nível quando se transpõe para a ópera. O Faust de Gounod nada tem a ver com a profundidade da peça homônima de Goethe. Este utiliza-se de fatos de sua vida privada, amou e abandonou uma garota inocente quando era um jovem estudante e sentiu-se culpado disto, pelo resto da sua vida. Seu Faust é também, como ele mesmo, um ser que procura sentido não apenas no amor romântico mas, em todas as formas de atividades humanas, ele também se questiona sobre o significado dessa busca. Ele perde a alma para reencontrá-la. Goethe usa a mitologia do Cristianismo, usando seus símbolos para retomar seu caminho, por um período de mais sessenta anos, até as grandes perguntas da vida, arte e fé. Seu Faust é um hino à energia creativa da vida de D´us a serviço do homem. Os símbolos medievais não são tomados literalmente. É um trabalho do racionalismo para uma era romântica, mas, como todos clássicos, ele fala por sí, para todos, de todas as épocas e lugares.
O Faust de Gounod, de outro lado, apega-se às conclusões dos convencionalismos da classe média de Paris no século XIX. Ele induz a que se tome a velha história, vender a alma ao diabo, literalmente, uma coisa atual, e que poucos fariam nos dias de hoje. É muito significativo o sucesso de Faust na era vitoriana. É a mulher que deve sofrer não o homem. O pecado carnal deve ser punido. Hoje em dia isso é pouco ou nada aceitável. O dilema moral da peça fez com que esta perdesse sua popularidade.
Impossível comparar as centenas e centenas de páginas de Goethe com o drama cênico de Gounod. Pesquisas recentes tem visto a obra de Gounod por um prisma mais brando, deixando as comparações entre as duas obras para um segundo plano. As histórias não foram feitas para serem comparadas ou cotejadas. Apesar das semelhanças na história de amor serem aparentes, Gounod não teve a intenção de rivalizar-se, ou pior, equiparar-se a Goethe. Isso meio que absolve a obra de Gounod.
Aqueles que gostam de Gounod, saem em sua defesa dizendo que o famosos "Anges Purs!" que precede o coro final, colocam a audiência de pé (e de joelhos, se isso fôsse possível) pois Marguerite triunfa sobre seu amor verdadeiro e sobre as forças do mal, em uma das mais belas páginas já escritas para o palco. E isso se repete ano após ano, há várias gerações...
A Cena do Jardim, no segundo ato, também é acompanhada de uma série de árias sem paralelo, que celebram a graça e o amor e talvez o mais belo dueto de amor já escrito.
No início Faust, foi considerada uma opéra-comique, uma ópera com diálogos falados e não cantados. Dez anos após sua apresentação inicial, Gounod transforma esses diálogos em recitativos. Mais adiante Gounod adiciona o balé, característico da grand-opéra, não sem grandes críticas na época. Por causa disso esse balé vem sendo desprezado por ser um adendo quase sem sentido na trama e que não adiciona nada a esta.
Com isso Faust retoma a sua forma original, como uma ópera ligeira tal como havia sido concebida, uma obra leve, não grandiosa e dirigida ao grand-monde.
Com essa retomada às suas origens, Faust retoma a sua força. Gounod e Barbier (o libretista) retomam as rédeas de sua ópera, aliviada de todo excesso, para o reconhecimento do grande público. Ela se torna mais palatável aos olhos do restante do mundo. Deixa de ser uma obra "germânica" para tornar-se uma obra universal.
À exceção do "Coro dos Soldados" (um trecho transferido por Gounod, de sua obra inacabada Ivan Le Térrible), a música se torna mais palatável aos ouvidos dos parisienses e aos olhos do resto do mundo. Boa parte da crítica que se colocou contra Gounod quando da estréia de Faust, volta atrás e começa a reconhecer o valor do trabalho deste. Apesar disso, o "Coro dos Soldados" é considerado hoje um dos pontos altos da ópera e é um dos trechos mais populares da obra.
A partir daí, tanto franceses quanto alemães esquecem-se das críticas mordazes que haviam sido feitas e passam a aceitar a ópera com entusiasmo.
Berlioz, o mesmo que havia criticado Bizet (vide post abaixo sobre Les Pêcheurs des Perles), generosamente, aponta os pontos altos da Faust de Gounod, os primeiros compassos suaves da ópera, as fugazes evocações do desespero do velho filósofo, o primeiro encontro de Faust e Marguerite, um discurso muito bem cadenceado entre um dueto e um recitativo, o encantamento de Faust, "Salut! demeure...", e a resposta de Marguerite, o recitativo "A Balada do Rei de Thule", sublime!...
Os bons críticos destacam as linhas melódicas da ópera como "a felicidade de colocar as melodias certas nas horas certas". Os franceses adoram as novidades melódicas, colocar palavras tão caras em sua lingua natal, nisso os franceses são fracos, a lingua francesa aquece seus corações.
As árias, a parte orquestral, todo o conjunto é encantador. Faust apenas soa sinistro quando os ventos sopram do lado do Inferno.
Em uma última análise, Faust fica como uma melodia que continua, mesmo após seus últimos acordes, magnificamente burilada, iluminada pelas mais belas páginas que jamais foram escritas, inscritas em nossa lembrança, pela escultura de cada um de seus personagens, suas personalidades e, na Cena do Jardim - à visão de Marguerite, vista pelo interior de sua alma - o momento mais introspectivo que, até hoje, apenas um enorme compositor, Gounod, talvez em seu melhor momento, consegue nos passar aquele sublime instante.
Análise baseada no livro First Intermissions de M. Owen Lee
Jacques
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