Diálogo? Recitativo? Ária? Libreto?

Vamos aclarar diversos pontos abordados na sinopse da ópera Faust.
Por ser uma sinopse, diversas explicações ficaram de lado, relegadas a um segundo plano. Tentaremos aclarar de uma maneira ampla o assunto e depois retornaremos à ópera em questão.
O gênero ópera evoluiu ao longo do tempo. Na maior parte dos espetáculos, no entanto, existem diversas coisas que continuam sendo comuns a todas.
Como princípio básico, libreto é a parte escrita da ópera. Uma ópera só começa quando existe por trás de toda a música, um enrêdo, uma peça escrita sob medida para a parte orquestral.
O libretista é portanto, peça fundamental na ópera. Normalmente as obras são escritas a quatro mãos, o enrêdo (a letra) feita por um (ou mais) libretista e um compositor.
Não houve nenhum compositor de renome que ousou escrever o libreto e compor a música, ao menos que eu saiba. Casos de compositores e letristas serem uma só pessoa, nem pensar!
Tanto acontecia do músico encomendar o libreto a um libretista, que eram muitos, alguns bastante famosos, quanto acontecia da editora encomendar o libreto para um libretista e a música para um compositor, eventualmente os interessados ficavam sabendo "a posteriori". Isso podia dar muito certo mas, algumas vezes, resultou em desastres quase que anunciados. O caso de Cormon, libretista, e Bizet, compositor, já foi aqui explicado. A música era ótima, o libreto nem tanto.
Por vezes, um compositor se assenhorava de um bom libreto, cuja ópera não tivesse feito grande sucesso, o modificava e fazia uma nova música.
O mesmo libreto, básicamente, poderia dar origem a mais de uma ópera, caso de Manon de Massenet e Manon Lescaut de Puccini. A segunda praticamente tirou o brilho da primeira.
Imagine-se que naquele mundo sem telefone, sem carro, sem nada que não fôsse o correio e sem maiores recursos, o que era compor um ópera com um libretista longe de um compositor, um em cada cidade, trocando correspondências, prazos a cumprir, avenças e desavenças, vaidades, corta aqui, emenda alí, aqui quero um diálogo tal e tal...
Havia ainda as exigências da música, o libretista tinha que se adaptar à música. A música tinha que se adaptar ao libreto.Nem sempre o relacionamento entre esses dois profissionais era dos mais harmoniosos, pode-se imaginar pelas correspondências trocadas, e até pelos insultos, que chegaram até nós.
O libretista ainda era o responsável, de comum acordo, óbvio, pelo desenrolar da trama.
Havia libretistas famosos que faziam esse trabalho para diversos compositores, havia libretistas quase que exclusivos de determinado autor, havia compositores que distribuiam seus libretos a diversos libretistas, havia libretistas com libretos prontos para vender, enfim, era uma simbióse geral.
O sucesso da ópera era muito ligado ao sucesso do casamento entre esses dois profissionais.
O desenrolar de uma ópera alterna entre diálogos, recitativos e árias.
A ópera não deixa de ser uma trama parecida com uma peça de teatro. Existem os personagens que tem um enrêdo a desfilar. Entram esses atores, vamos chamá-los de cantores doravante, e passam a interpretar seus papéis. Na ópera, o princípio fundamental do gênero, é o canto. Não existe ópera não cantada.
Iniciada a ópera, uma abertura orquestral, ou não, abre-se o palco e começa a ação. Esses cantores vão desfilando seus papéis basicamente em um dos três estilos que antecipei. Diálogos, mais rápidos, mais próximo do corrente teatro, recitativos, que são diálogos acompanhados por instrumentos de fundo, que nem sempre seguem a melodia da ópera, normalmente uma celesta ou um cravo dando um fundo musical leve, quase que apoiando as falas dos cantores. É como uma declamação, às vêzes com rima, outras não.
E finalmente a ária! Pára a ópera que o destaque, o cantor, vai cantar...
Interessante notar que quando inicia-se a ária, muito pouca ação acontece no palco. De um lado cantar demanda mais tempo e mais esforço. Não há como acontecer ação.
Nos duetos, tercetos, quartetos, etc. é normal cada um cantar um texto diferente. Daí a beleza advinda da ária. O compositor coloca uma, duas , tres, ou até mais melodias interagindo entre os cantores...
Acresça-se a isso, como curiosidade, que às vêzes, por convenção, um não está "vendo" o outro no palco... Ah a ópera! Basta um personagem vestir uma capa que imediatamente ele vira "invisível"... Ou a mesma capa serve para disfarçar um rei que não é reconhecido nem por sua mãe, que dirá seus fieis súditos, ou seus inimigos... Ou então, que tal "pensar" em voz alta, cantando? Sem problemas, ninguém no palco escuta...
Conclusão, a ária é o ponto alto da ópera. É o "highlight" da ópera.
Aos poucos, nos duetos, tercetos, etc. cada cantor vai chegando a conclusões parecidas e a partir daí passam a cantar em uníssono... Aí começa de novo a haver ação... A ação se dá pela concordância no canto.
Portanto as árias, normalmente são as peças mais bonitas, onde os autores dão oportunidade a cada um dos cantores de exibir seus dotes vocais e dramáticos. Quando a peça era dedicada a uma musa do autor... certamente, ela ganhava, além do destaque, até mais de uma ária. Inversamente quando o compositor despreza um personagem, ele o pune pela ausencia da ária solo. É o caso de Pinkerton, um ser desprezível, que sobrevive a Madama Butterfly, a doce Cio-Cio-San da ópera homônima de Puccini.
O normal é que o compositor reserve, pelo menos, uma ária para cada papel importante, alguns duetos, a do herói com a heroína, o par romântico, pai e filha, dois desafetos, enfim, o que mais convenha à trama, e, mais raramente, árias para mais de dois cantores. Mozart chegou a fazer um hepteto...
São os coros, os balés, as partes instrumentais que ligam entre si os diálogos, os recitativos e as árias. Tudo issso forma o grande conjunto do que se convencionou chamar ópera.
A sofisticação pode chegar a extremos, um casamento de um casal de camponeses num lado do palco, com um conjunto de instrumentistas tocando uma canção ao seu redor. enquanto o restante da orquestra toca um minueto para a corte, que ocupa outro pedaço do palco, tudo junto, e tudo melodicamente bem resolvido. Essa cena, de extrema beleza, faz parte da ópera Don Giovanni de Mozart.
Existem coros famosos, que ficaram até mais famosos do que as óperas que, inicialmente, faziam parte. O mesmo aconteceu com aberturas de ópera. Beethoven escreveu várias para a sua única ópera Fidélio, todas são muito mais famosas do que a própria ópera.Na França o balé era obrigatório. A cena final, onde todos estão no palco, a orquestra inteira tocando também faz muito sucesso.
Uma curiosidade, há óperas que acabam por falta de personagens... Cada um a seu tempo todos vão morrendo, matando, se suicidando e ao final, não sobra ninguém, ou quase isso.
De "mortos" que cantam árias inteiras antes de tombarem, já aqui falamos, caso de Gilda, a filha de Rigolleto, de Verdi, entre tantos.
Aquele é o programa. Alí está narrado, normalmente, quem são os músicos, quem são os cantores, o maestro, a orquestra, fotos de todo esse pessoal, biografias e assim por diante.
No caso da ópera, o mais importante, é a sinopse da obra. É exatamente, certamente escrita por profissionais bem mais competentes, o que está descrito no post abaixo deste.
Normalmente não está lá o libreto, este normalmente se acha quando compramos um disco, pode estar em diversas linguas ou só no original da obra. Comprar o libreto, sozinho, é muito raro, praticamente é privilégio de alguns estudiosos. Alguns teatros de grande renome vendem o libreto da ópera em cartaz. Talvez os de maior sucesso, mas, ainda assim não é usual comprar apenas o libreto.
O importante é saber distinguir o libreto, a "letra" da ópera, da música da ópera. Juntando-se esses dois elementos fundamentais, teremos a ópera.
Para quem se interessar pelo libreto da ópera Faust
Amanhã nos ocuparemos das árias de Faust.
Jacques
3 comentários :
Bravo! a colherinha foi boa. Havia muitas dúvidas, e eu não me envergonho em externá-las.Agora ficou bem mais clara a estrutura da ópera, desde seu nascimento até a apresentação. É ótimo ter alguém que nos ensine. E deve haver muito mais detalhes, que irão surgindo conforme cada ópera, não?
Agora nós, reles mortais, já podemos pôr nossa roupa mais elegante e comparecer à ópera, sem medo de passar tanto vexame... deve ser muito bonito mesmo, o espetáculo!!!
Gostei do texto, mas lembro que Wagner era também o libretista de sua ópera, e há alguns outros casos mais raros, mas que demonstram que é possível.
Adorei o seu blog e me identifiquei muito com ele, pois tenho um cujo URL é http://resumodaoopera.blogspot.com/2009/11/opera-no-seculo-xx.html
Aliás eu já te sigo há tempos...Mas gostaria de acresecentar que em todas as óperas de Wagner ele próprio foi o seu libretista.É o homem era uma fera, né? Abraços
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