terça-feira, setembro 13, 2005

Tamerlano - um passeio pelas artes da composição

Handel's Tamerlano at 2003 Spoleto Festival U.S.A. photos by Lenore Doxsee

Dramma per musica in tre atti

Handel iniciou a composição de Tamerlano, uma das supremas obras-primas da ópera séria Barroca em 3 de Julho de 1724. O libreto era uma adaptação de Nicola Haym do Tamerlano de Agostino Piovene, Tragedia per musica, composta por Francesco Gasparini e executada em Veneza em 1711. Quando Handel datou a última página do original, em 23 de Julho de 1724, a obra parecia estar completa; mas nos três meses que antecederam à première no King´s Theatre em Haymarket em 31 de Outubro, tantas alterações e revisões haviam sido feitas que uma nova partitura teve de ser reescrita, muito tarde se levada em conta a data da estréia, para substituir a anterior que nunca mais achada.

O primeiro motivo para a revisão foi a mudança no elenco, o papel original de Irene foi concebido originalmente para soprano, então, muito desta parte teve de ser reescrito para a contralto Anna Dotti, que veio a cantar na estréia. Uma revisão ainda mais radical foi ocasionada pela chegada em Londres, em Setembro de 1724 do tenor Francesco Borosini, que foi escalado para cantar Bajazet. Ele deve ter trazido consigo o libreto e a partitura original de uma segunda série da história de Tamerlano, Il Bajazet, Dramma per musica, que Gasparini escreveu para a Reggio Emilia em 1719, na qual Borosini havia cantado Bajazet. Para esta versão, o libreto original de Piovene havia sofrido mudanças bem radicais por Ippolito Zanella e outros escritores, embora haja evidências de que, a magnifica cena da morte de Bajazet, que é a melhoria mais impressionante sobre o libreto anterior, foi inspirada pelo próprio Borosini. Alterações importantes foram então introduzidas na ópera de Handel, enxertando partes do libreto de Piovene alteradas de sua versão original por Haym. Aí foi necessária a composição de mais música, especialmente no início do primeiro ato e no final do terceiro ato, mais, em muitas partes já escritas para Bajazet ele se viu obrigado a rever a tessitura da parte vocal pois, tendo ouvido Borosini cantar, chegou à conclusão que algumas passagens eram muito altas para o cantor, dois movimentos foram transpostos enquanto mudanças significativas foram feitas nas árias nº 19, "A suoi piedi", e no terceto nº22.

As duas versões ainda convivem pois, de acordo com os cantores, uma ou outra voz pode encontrar mais facilidade para interpretar esta ou aquela versão.

Resumindo, a ópera sofreu uma turbulenta gestação enquanto seu autor ia fazendo as modificações que julgou necessárias.

Handel concentrou-se em fazer o final do terceiro ato mais dramático e bem compacto, baseando-se no libreto de Piovene. A morte de Bajazet tem lugar fora do palco e era meramente constatada pelos demais presentes no palco. Então, à vista da literatura e das sugestões, Handel enxertou novo material, inspirada no libreto de 1719 e em parte nas marcações de Gasparini mas, inicialmente o final original foi mantido. Quando os preparativos para a estréia já seguiam bem adiantados, Handel removeu esse final e o substituiu por um recitativo "Barbaro! Or manca solo", e vai diretamente para o Coro final, o efeito dramático é óbvio, a cena de morte de Bajazet se dá no palco e é a cena que encerra a ópera, qualquer outro final seria uma anti-climax.

Outras alterações de menor importancia foram feitas, isso foge do nosso escôpo, mas como se verá, não foram as últimas.

Tarmelano estreou em 31 de Outubro de 1724 com o seguinte elenco:

Tamerlano Andrea Pacini (alto castrato)
Andronico Francesco Bernardi, também conhecido por Senesino (mezzo-soprano castrato)
Bajazet Francesco Borosini (tenor)
Leone Giuseppe Boschi (baixo)
Asteria Francesca Cuzzoni (soprano)
Irene Anna Dotti (contralto)

Foram feitas doze récitas entre 31 de Outubro de 1724 e 08 de Maio de 1725. Handel reviveu a ópera em 1731 para mais três récitas. Para essa nova reedição da ópera ele ainda fez cortes em alguns recitativos, mesmo assim Tamerlano é, das obras de Handel, a que apresenta mais recitativos.

Difícil é pois saber, sem conhecer o CD, qual será a versão seguida. A princípio isso poderá soar complicado mas, existe a tendência, em conhecendo o regente, Gardiner, um especialista em partituras originais, que ele tenha escolhido a versão mais antiga e portanto, mais próxima da original, a aqui detalhada. Posso mesmo concluir que, o que levou este a se interessar por Tamerlano, foi essa variedade de versões. Gardiner é especialista nessa garimpagem de partituras e deve ter feito essa gravação com grande conhecimento de causa e grande competência.

Jacques

:

Postar um comentário

<< Home